Quem ouve Vítor Gaspar falar fica com a sensação de que
Portugal tem andado em endireitas e bruxos e só agora chegou a um cardiologista
a sério, o ministro das Finanças fala como se fosse um cientista que acerta com
a receita para os males portugueses com o mesmo rigor com que um cientista da
NASA calcula a trajectória do foguetão para que este faça chegar a sua carga à
estação espacial. Ouvir Gaspar é ouvir alguém que parece falar com o domínio de
uma ciência que só ele aprendeu e com o poder da palavra de Deus que só ele
está autorizado a falar.
Esta arrogância dos economistas de direita, muitos deles
modestos economistas que passaram anos no anonimato, tem raíz na mania dos
estudiosos da economia de a apresentar como uma ciência. Aliás, este complexo
levou ao conceito de ciências sociais, a mais sofisticadas das quais é a
ciência política, a complexa ciência em que Relvas é doutor. A moda pegou
quando Adriano Moreira transformou uma escola de administradores coloniais (uma
mistura de representantes do governador colonial com gestores de tabanca) numa
escola onde se estuda a complexa tecnologia social.
Possuídos do poder divino e da certeza científica os
economistas como Vítor Gaspar estão a promover um discurso económico como sendo
uma certeza técnica, quando na verdade não é mais do que a transformação das
suas ideologias em discurso económico. As medidas da política económica do
ministro das Finanças não resultam de qualquer manual de política económica,
não foram avaliadas ou testadas por qualquer modelo económico ou econométrico,
não contam com qualquer experiência anterior, decorrem apenas da ideologia do
Gaspar.
O problema é que nem sequer estamos perante uma ideologia
assumida por uma corrente colectiva, debatida em público, apresentada aos
eleitores. A ideologia do Gaspar é uma mistura de uma manta de retalhos
ideológicos com manias pessoais, medos, complexos, ódios. O corte dos
rendimentos da Função Pública, por exemplo, não tem uma explicação técnica,
está mal fundamentada e é desastrosa para o país, esta medida nem sequer
decorre da ideologia da direita portuguesa que sempre foi fortemente
intervencionista, resulta sim de um ódio pessoal do Gaspar ao Estado.
O problema de transformar uma ideologia numa falsa corrente
de pensamento económico é que as suas conclusões não são analisadas de forma
desapaixonada como se exige a uma conclusão científica, não são devidamente
avaliadas e testadas como se deve proceder com qualquer conclusão científica.
Acredita-se numa política porque se acredita e confia no seu autor, os alemães
acreditaram em Hitler, os italianos em Mussolini, os alemães de hoje acreditam
na Merkel e parece que Passos Coelho acreditou em Gaspar. Alguns portugueses
(entre 5 e 10%) votaram em Passos Coelho para não votar Sócrates e deram o
poder a uma direita sociológica e eleitoralmente minoritária, o Passos Coelho
cuja inteligência não é famosa acreditou nas banalidades ideológicas do Gaspar
e agora Portugal sofre com as manias do ministro das Finanças.