terça-feira, novembro 18, 2014

O apodrecimento do Estado

Se em vez de um caso de corrupção a notícias se referisse a uma vaga de assaltos em supermercados as televisões estariam convidando sociólogos e outros especialistas que muito provavelmente estariam a estabelecer a relação entre o desemprego e o aumento da criminalidade. Curiosamente, o orçamento do ministério da Administração Interna foi dos mais poupados ao extremismo troikista da austeridade talvez porque em vez de medidas de apoio social este governo encontrava a alternativa na repressão.
  
Mas como os indiciados em crimes de corrupção é gente bem ninguém faz uma abordagem sociológica do problema, ficamos pelas garrafas de vinho e pela declaração da presunção da inocência, ninguém questiona o porquê de o Estado estar apodrecendo a partir do topo. Nem mesmo a coincidência de o inventor local dos vistos dourados ser em simultâneo o coordenador das pastas económicas e o autor do famoso guião da reforma do Estado estimula a curiosidade. Também ninguém se lembrou de questionar a escolha dos dirigentes com recurso a falsos concursos pois como se tornou evidente os dirigentes envolvidos no processo são todos amigos uns dos outros e das relações pessoais dos ministros.
  
A verdade é que Portugal tende a ter um Estado pelintra e é este o resultado da vingança ideológica de Passos Coelho que se aproveitou da austeridade para impor aos funcionários públicos uma condenação social que se traduz no seu empobrecimento forçado. Portugal tem directores-gerais e subdirectores-gerais com enormes responsabilidades, que trabalham muito para além do aceitável e que ganham de forma miserável. Mas não vale a pena dizer quanto ganha um director-geal porque a imensidão de militantes de base do BE em que este país se transformou vai descobrir que um director-geral ganha 4 ou 5 salários mínimos e isso é um escândalo.
  
Da mesma forma que já aqui defendi que é um absurdo estabelecer uma relação entre a criminalidade e o desemprego, também não faz sentido justificar a corrupção de altos dirigentes do Estado com a forma como são remunerados, ainda que haja neste país muitas dezenas de altos dirigentes do Estado a passar por graves dificuldades económicas. Um director-geral ganha menos, senão mesmo muito menos do que o chefe de uma agência bancária?
  
Não sendo legítimo abordar a corrupção desta forma a verdade é que ao longo dos anos as remunerações dos altos dirigentes do Estado conduziram a uma desqualificação profissional e daqui resulta que cada vez menos são os mais competentes a assumirem os cargos e cada vez mais são os amigos dos ministros que fazem uma perninha nos cargos a fim de obter currículo e pular para o sector privado. Hoje temos no Estado uma classe dirigente que ou vem de fora e são boys ou subiu na Administração Pública à base de compadrios.
  
É esta total dependência em relação aos governantes e aos aparelhos partidários que torna a liderança do Estado vulnerável à influência. Dirigentes do Estado que são escolhidos por dirigentes partidários, juristas que num dia são advogados e no outro são governantes para depois voltarem à advocacia, deputados influentes que usam o cartão de deputado nas suas reuniões de trabalho como advogados. O Estado português está a apodrecer com todas esta promiscuidade com os aparelhos partidários.
  
E no meio disto tudo o espertalhão do Miguel Relvas inventou os concursos e a CRESAP pelo que é estranho que ninguém questione o professor Bilhim sobre as escolhas de dirigentes que fez com os seus concursos. S é o professor Bilhim que escolhe ou ajuda a escolher os dirigentes do Estado não seria lógico que o senhor se demitisse perante este desastre?
  
Um dia destes o país vai acordar e ficar a saber o preço a pagar pela forma como o Estado, os funcionários públicos e os dirigentes dos serviços públicos têm sido tratados pelo governo e pela generalidade dos políticos, desde o mais desconhecido deputado até Cavaco Silva.