Por uma questão de valores, de educação, de experiência de vida ou por um qualquer outro motivo todos temos as nossas causas um pouco quixotescas, por uma qualquer razão batemo-nos por valores e objectivos sociais sem que daí nos venham quaisquer proveitos, mesmo sabendo que o mundo está cheio de ilusões perante os poderes obscuros de uma sociedade cada vez mais podre. A vida levou-me a conhecer de perto a condição de gente que devido a problemas de saúde viram-se, de um dia para o outro, a combater uma deficiência. Situações resultantes de doenças graves como a meningite ou a pneumonia, mergulhos inadvertidos em locais sem a profundidade adequada, acidentes de automóvel, infecções na medula, AVC, são muitas as possibilidades que podem transformar um cidadão sem problemas num cidadão portador de uma deficiência incapacitante. Vi de tudo isto durante o mês que estive internado no CMR SUL, em São Brás de Alportel.
Vi jovens que fracturaram a coluna em brincadeiras treinando a utilização de cadeiras de rodas e as lágrimas chegaram-me aos olhos, vi mulheres jovens e com filhos a gritarem de alegria porque tinham conseguido elevar-se do chão para um banco, vi gente nova que praticava desporto com olhar de raiva lutando contra as consequências do AVC, vi idosos tentando aliviar o fardo em que a vida se tornou depois de um AVC ou de uma infecção na medula. Vi também uma equipa de médicos, enfermeiros e terapeutas com recursos escassos fazerem verdadeiros milagres, vi gente que não se conseguia mexer regressar a casa pelo seu pé, vi uma instituição modelar nos seus resultados e na sua qualidade. Todos viveríamos melhor se os nossos bancos fossem geridos com a mesma competência com que aquele centro era liderado ou se as nossas empresas fossem administradas com a mesma dedicação, ou se os nossos governantes fossem profissionais exemplares como o são os daquela unidade de saúde que foi exemplar até ao dia em que um qualquer mafarrico decidiu destruí-la.
Esta semana foi notícia que em Portugal há 500 deficientes a viverem sozinhos e lembrei-me do que vi e aprendi. Aprendi, por exemplo, que há uma elevadíssima taxa de divórcios na sequência de deficiências resultantes de acidentes cardiovasculares ou de outra natureza, muitos colegas me contaram as suas vidas e percebi que para muitos deles a deficiência foi seguida pelo abandono e solidão,. Recuperar a mobilidade de alguém que sofreu um AVC é poupar a família e o próprio Estado a um custo elevadíssimo, investir nessa recuperação não é apenas um dever da sociedade, uma obrigação ética de um governo, é também uma boa decisão económica. Não há apenas 5oo deficientes a viver sozinhos, há muitos mais que foram abandonados pelo Estado que por maldade comercial dos governantes os ignora.
Também nesta semana o Dr. Macedo veio a público usar argumento manhoso que apenas tem por objectivo branquear a actuação criminosa da sua equipa. Dizia o Dr. Paulo Macedo que o SNS terá de ser financiado pelos impostos, desta forma iliba-se de responsabilidades e sugere que as camas eliminadas, os mortos nas urgências, a destruição de unidades hospitalares não foi uma decisão maldosa da sua equipa mas sim o resultado da falta de recursos. O problema do SNS não é apenas de dinheiro a menos, é também de sacanice a mais.
O CMR SUL era uma PPP e o ministério de Paulo Macedo teve recursos orçamentados para manter esta PPP, mas como as PPP era condenadas na comunicação social o TC decidiu não a autorizar, aquele centro ficou a ser gerido pelo ministério da Saúde, o dinheiro que lhe estava destinado quando se propunha a gestão privada desapareceu. Começaram a faltar recursos, não havia dinheiro para medicamentos e estes eram comprados nas farmácias, a falta de recursos e de pessoal levou ao encerramento de camas. A asfixia continuou e neste momento já não são aceites doentes. Em todo o sul do país os portugueses deixaram de ter acesso a este centro de reabilitação. Até parece que alguém anda a querer promover uma iniciativa empresarial promovida pelo autarca de Vila Real de Santo António e líder do PSD algarvio.
O CMR SUL era uma unidade de saúde de excelência, o oitavo melhor centro de reabilitação na Europa graças a uma equipa profissional de gente competente e dedicada e a uma liderança como raramente vi na Administração Pública, tudo isto com parcos recursos e muito trabalho. Mas parece que os Macedos acham que excelência é um exclusivo do sector privado e o CMR SUL tinha de ser destruído, mesmo que isso condene centenas de portugueses a uma vida penosa, prejudicando famílias, Estado e empresas, empobrecendo o país.
Quando estive internado fiquei com uma boa impressão do que se passava no sistema de saúde, cheguei mesmo a pensar que estava enganado em relação ao Dr. Macedo. Mas afinal não estava enganado, à medida que o tempo passa tive a oportunidade de comparar o que conheci no momento mais grave da crise com o que tem vindo a suceder, agora que dizem que os cofres estão cheios as unidades hospitalares menos visíveis estão sendo asfixiadas de forma intencional para eliminar a excelência no sector público, pouco importando o sofrimento que é infligido aos utentes e aos próprios profissionais que insistem em resistir e ainda não emigraram ou não foram para o sector privado que o Dr. Macedo tanto promove.