Enquanto Passos Coelho vai a Londres dizer que o líder da
UGT é como as pastilhas elásticas, mastiga-se e joga-se fora, o ministro das
Finanças vai a Washington exibir o seu país como um mau exemplo, parece que a
crise financeira se transformou numa crise de valores e de princípios. O
primeiro-ministro exibe a pele dos trabalhadores portugueses e goza dos seus
sindicatos, o ministro das Finanças exibe a pele dos portugueses e diz aos
americanos que ainda estamos dispostos a dar o escalpe.
Para o ministro das Finanças um país é uma entidade sem
dignidade, é uma curva da oferta e outra da procura, são indicadores
financeiros, são défices ou excedentes, tudo isto deve funcionar segundo aquilo
que na sua opinião são verdades ecoómicas absolutas, um raciocínio típico de um
economista que a seguir à análise económica ia para a cadeira de religião e
moral e ambas contavam para a sua média de curso.
Para Gaspar não ocorreu qualquer crise financeira
internacional, os juros não aumentaram, a oposição não boicotou as políticas, o
país portou-se mal, foi mal governado. Agora que está a ser governado segundo
as suas teses, pouco importando se os cidadãos tiveram ou não direito a
pronunciarem-se sobre as suas ideias ou se alguém credível validou os seus
desvios, os desvios que lhe permitem governar à margem das regras da
democracia, como se fosse o ministro das finanças de um novo Estado Novo.
Mas o raciocínio auto-elogioso do pequeno Vítor Gaspar tem
dois pontos fracos, o elogio que faz ao memorando a avaliação dos resultados da sua política.
Quando Vítor Gaspar elogia o memorando dá a entender que
este representa as suas ideias, por oposição às do governo anterior. Mas tem um
pequeno problema, o memorando foi o resultado de uma negociação entre o governo
anterior e a troika, ao contrário do governo do Gaspar que perante as
dificuldades se refugia sempre no memorando da troika como algo de que não é
responsável, Sócrates assumiu o memorando como sua responsabilidade.
Portanto, quando o Gaspar se auto-elogia por aplicar o
memorando mais não está fazendo senão elogiar José Sócrates pois o
ex-primeiro-ministro foi um dos autores do memorando. É evidente que Gaspar
está a aplicar muito mais do que o memorando mas já foi o tempo em que dava
resultado afirmar-se mais fundamentalista do que a troika, as coisas não estão
a correr bem e Gaspar nunca assumirá que o seu fundamentalismo está na origem
dos maus resultados. Aliás, é o FMI , em cuja conferência o Gaspar foi
gabar-se, que no seu relatório se demarca dos excessos e de algumas opções do
próprio Gaspar.
Gaspar fala de si como se fosse um novo Oliveira Salazar, um
mago das finanças públicas, um salvador da pátria desorientada e falida. Não
tem nem a categoria intelectual, nem a modéstia do ditador, está gabar-se cedo
demais talvez porque quer criar a ideia de sucesso antes do desastre. É de uma grande
cobardia ignorar a crise financeira internacional quando avalia Sócrates,
enquanto se invocam factores externos para justificar o desvio colossal entre a
realidade económica e a propaganda.
Gaspar promove a sua imagem de grande economista à custa do
seu país, olha para a economia portuguesa como o laboratório das suas ideias
fundamentalistas, mas revela-se um professor pouco honesto. Fala do sucesso das
suas ideias muito antes de se conhecerem os resultados das suas políticas.