Quando o país já quase se tinha esquecido das ideologias e das revoluções, com a extrema-esquerda a apresentar-se como uma esquerda moderna cheia de raparigas bonitas e bem apresentadas e uma boa parte da militância do PS em dificuldades para explicar porque não militava no PSD, a direita veio clarificar as coisas. Há mesmo políticas de direitas, brutais e sem vergonha, que visam como objectivo único a transferência de riqueza.
De repente, muita gente que dantes estava mais interessada em saber as vantagens do iPhone 5 sobre o Galaxy S III reparou que há um mundo à sua volta onde de repente se pode ficar pobre, onde quem sonhava pode ficar no desemprego, quem se imaginava a comprar casa pode ser despejado, um mundo em que as grandes diferenças não são a que distingue os gadjets da Samsung dos da Apple. Há diferenças sociais, mas mais do que isso, há políticas diferentes, umas que querem aumentar essas diferenças, outras que tentam reduzi-las.
Se dantes começava a ser difícil explicar qual é a diferença entre ser de drieita e ser de esquerda, agora dispensa-se qualquer explicação. Pior ainda, agora ser de direita é bem mais do que defender determinadas soluções, é estar ao lado do Ulrich pedindo centenas de milhões dos outros e ao mesmo tempo encomendar mais austeridade porque eles aguentam. Para muitos portugueses ser de direita passou a significar ser canalha, ser aldrabão, ser aquela coisa que deixa muita mãe ofendida.
A palavra revolução que soava a ridícula na boca de um operário e que tinha sido eliminada do léxico ideológico da esquerda mais ortodoxa ouve-se agora na boca da classe média, a classe que sempre produziu as ideologias que sustentaram as revoluções. A palavra revolução era a mais repetida nos cartazes da manifestação do passado dia 2 de Março. Desde o cartaz onde se dizia que estava um óptimo dia para fazer uma reolução ao que garantia que se nos tirarem tudo damo-vos uma revolução, eram muitos os cartazes centrados na palavra revolução, era tantos que teríamos de voltar aos anos 70 para ter uma Avenida da Liberdade com tal caudal revolucionário.
E não eram os jovens mais extremistas ou os núcleos duros dos partidos da extrema-esquerda a falar em revolução, era gente que há meses sonhava mais com um iPhone do que com qualquer processo revolucionário, gente para quem o importante era a vida pessoal, não havendo uma dimensão social nas suas preocupações. Mas a direita portuguesa decidiu matar saudades dos tempos em que o país estava na ordem e confundiu a excepção criada com a crise financeira com uma excepção à democracia e abusou. Foi mais troikista do que a troika, tentou conseguir em quatro anos um retrocesso de décadas, achou que podia reformatar o país, eliminar sectores inteiros da economia, transformar o desenho das classes sociais à força de impostos e de cortes salariais.
A direita abusou de tal maneira que entrou num beco sem saída, não pode voltar atrás e conduziu a economia a um estado tal que agora é incapaz de travar a bancarrota do estado que tenta evitar com a mesma receita. Agora já não são só os funcionários públicos que ganham demais, já nem os que auferem do salário mínimo escapa a esta lógica brutal da direita. A direita portuguesa teve durante quase cinco décadas a protecção das forças policiais para manter uma ditadura. Agora está convencida de que pode ser igualmente brutal protegida por uma democracia, acha que uma maioria absoluta lhe permite beneficiar de uma ditadura durante quatro anos.
A direita portuguesa é mesmo idiota.