quinta-feira, março 14, 2013

O silêncio


Sente-se o silêncio nas ruas, um povo habitualmente alegre e barulhento arrasta-se agora em silêncio e cabisbaixo, mesmo quando se manifestam às centenas de milhares os portugueses optam por um silêncio pesaroso. Os gregos manifestavam-se em menor número, mas com muito ruído e alguma violência, os senhores da troika sentiram receio. Os portugueses aceitaram a austeridade a troco da solução de um problema e os senhores da troika elogiaram-nos por contraposição com os gregos, o representante local da troika até os designou como o melhor povo do mundo, um povo que aguenta tudo, fica calado e manifesta-se ordeiramente como se em vez de protestar estivesse rezando a Deus para que o governo tenha sucesso. Só faltou ao neto da avozinha de Manteigas dizer que estes portugueses lhe lembravam os cristãos a caminho do Coliseu ou os judeus à entrada das câmaras de gás, um povo manso, ordeiro e obediente.
  
Mas será este silêncio sinal de resignação?
  
Este povo tem suportado tudo, vê os filhos partir para os quatros cantos do mundo como se o país tivesse sido atingido pela filoxera, Vê a saúde ficar mais cara obrigando muitos a ficarem à porta do hospital, é obrigado a tirar os seus velhos dos lares, a trazer as crianças para casa em vez de as enviar para o infantário, assiste ao definhar da empresa onde trabalha até ao dia do despedimento inevitável, aguenta nos serviços públicos com cortes sucessivos nos vencimentos e a condenação sem direito a julgamento por todos os males do país. Os portugueses são atirados uns contra os outros, são os funcionários que ganham mais do que os outros, os velhos que vivem à grande e à francesas com pensões pagas pelos jovens, são os estudantes que não estudam e os professores que não ensinam.
  
Como se o sentimento de culpa por terem ousado ter direitos, por terem abusado da saúde ou do ensino, por terem ficado bêbados com salários mínimos que não chegam aos 500 euros, os portugueses são perseguidos financeiramente, umas vezes cortam-lhes no vencimento, noutras aumentam-lhes os impostos, até já lhe quiseram aumentar os impostos para os reduzirem aos patrões. Os portugueses até têm sido forçados a aguentar a arrogância de imbecis endinheirados como o boche da banca e o cavalão cadavérico de Alter. Como se tudo isto não bastasse são multados por tudo e por nada, polícias e serviços públicos perseguem-no ferozmente para arrecadar receitas extraordinárias com multas, coimas, taxas e outros truques do proxenetismo estatal.
  
Mas que esteve na manifestação do passado com olhos de ver, assistindo com atenção ao que se estava passando não sentiu apenas o silêncio. Sentia-se a raiva no ar, o ódio estava no olhar de muita gente, a revolta era o sentimento dominantes, nos olhos corriam lágrimas aos primeiros acordes do “Grândola, Vila Morena”: Sem um tiro, sem um grito, sem um bastão, sem gás lacrimogéneo, havia mais violência em Lisboa do que nas ruas de Atenas.
  
Se Vítor Gaspar se tivesse lembrado do dia 25 de Abril saberia que os portugueses são o melhor povo do mundo a fazer revoluções, se tivesse estudado história saberia que os portugueses estão entre os melhores do mundo a livrarem-se dos ditadores, se tivesse estudado um pouco mais de sociologia em vez de dedicar todas as suas forças aos extremistas do liberalismo económico teria ficado a saber que de vez em quando até estes povos que são os melhores do mundo fazem revoluções, e fazem-nas sem muitos tiros e sem grande alarido, disparando rajadas de silêncio. Às vezes os portugueses não se limitam a comer e calar, também podem comer quem os quer calar.