O chamado estado social não é apenas uma evolução
civilizacional e muito menos uma retribuição aos pobres pelo seu bom
comportamento laboral e fiscal como decorre das palavras do representante do
FMI na troika, que disse que se os portugueses queriam um estado social teriam
de o pagar.
O que o senhor Salassie disse não é mais do que o argumento
dos alemães que, entretanto, foi adoptado por uma direita portuguesa
habitualmente pouco dotada intelectualmente e escassa de ideias. O que eles
dizem aos pobres é que se querem saúde, ensino e segurança social então que
trabalhem muito, portem-se bem e ganhem pouco.
Fica-se com a ideia de que se o país não tem recursos para
sustentar o Estado social é porque os pobres se encheram com as fraudes que
levaram todo o sistema financeiro nacional à bancarrota ou quase, é porque os
pobres fogem com os seus ordenados mínimos para a zona franca da Madeira e não
pagam impostos, é porque para declararem os seus quinhentos euros mensais têm
de ser chamados três vezes à PJ como um conhecido banqueiro.
As nossas empresas são muito bem geridas, os nossos empresários
apostam na inovação, no design, nas novas tecnologias, a nossa direita governou
sempre de forma pouco exemplar e aproveitou todas as oportunidades para
liberalizar a economia. O problema do país é dos governos da esquerda e dos
trabalhadores, principalmente destes pois são gandulos, mal formados,
improdutivos, é por causa deles que as empresas não são competitivas e o estado
está à beira da bancarrota.
São estes os pressupostos de uma política que assume uma
dupla função, tem objectivos económicos ao mesmo tempo que é uma punição para
os mais pobres por terem abusado do consumo e dos benefícios sociais, por terem
ganhos ordenados chorudos e por fugirem sistematicamente ao fisco. Há que lhes
cobrar o IVA na bica, obrigá-los a trabalhar mais horas e mais dias,
retirar-lhes aquilo a que se habituaram a pensar que eram conquistas.
Graças à chantagem da troika o povo anda assustado e
acabrunhado, anda como nunca deveria ter deixado de estar, se não fosse o
famigerado estado social hoje o Dias Loureiro ainda jantaria em Belém, o
Oliveira e Costa um banqueiro bem sucedido e o BPN um dos nossos melhores
bancos. Já não foi possível salvar o BPN, mas ainda se foi a tempo de salvar os
anéis de muitos dos seus sócios e de meter o povo na linha. O que se gastava no
estado social é melhor investido na competitividade, que nos tempos que correm
significa o bolso dos banqueiros.
Esta direita burra e arrogante ainda, convencida de que é
poder por uma questão de ordem natura e considera a democracia uma brincadeira
para entreter o país, não percebe que o estado social é muito mais do que um
estorvo, é o travão à conflitualidade social. O estado social não é apenas um
progresso ou uma conquista colectiva, é a contrapartida dada aos mais pobres
para que uns quantos ricos possam continuar a gozar a maior parte da riqueza
produzida pelo país em tranquilidade e segurança.
Tiram o estado social aos que mal ganham para comer e só
faltará tirar-lhes a vida o que, aliás, em muitos casos é mesmo o que sucede. Tirem
o estado social aos pobres e estarão a abrir as portas às revoluções.