A comunicação social ficou surpreendida pela reacção do juiz presidente da comarca de Alenquer de reduzir o trabalho, houve um jornal que até publicou uma foto do juiz no seu Audi numa insinuação subtil de riqueza e as televisões deram a notícia com ar de escândalo. Fizeram as contas às duas horas a menos que o juiz vai trabalhar e concluíram que significavam 46 dias de trabalho por ano. Até o Conselho Superior de Magistratura ficou preocupado e determinou a recolha de elementos sobre o caso e a audição do juiz Afonso Dinis Nunes para uma eventual acção disciplinar.
Só se todos se esqueceram de um pequeno mas muito grande pormenor, o magistrado decidiu reduzir “o seu horário de trabalho (extraordinário e não remunerado) em cerca de duas horas diárias”. Isto é, o juiz fez uso do seu direito de trabalhar menos duas horas à borla, os que fizeram as contas aos dias que trabalhará menos esqueceram de fazer as contas a quanto é que o juiz já deu ao país em horas de trabalho gratuitas.
A verdade é que há muitos funcionários a trabalhar horas extraordinárias não remuneradas, veja-se o caso de muitos funcionários que nos últimos tempos trabalharam noites no ministério das Finanças na elaboração do OE.
Pessoalmente não me posso queixar, quando Manuela Ferreira Leite começou com os ataques aos funcionários que acabaram por culminar no corte de vencimentos agora decididos decidi nunca mais trazer trabalho para casa e assim fiz, deixei de trabalhar mais do que me podia ser exigido. Aliás, esta não devia ser a excepção mas sim a regra, como sucede no sector privado. Só que enquanto o Estado faz inspecções, por exemplo, nos banco para verificar se há situações de abuso no Estado impera a lei da selva. Já recebi vários emails de leitores deste blogue denunciando chefias que usam as avaliações de serviço como instrumento de chantagem para forçar os funcionários a trabalhar para além do horário estabelecido.
Infelizmente, na aproximação das normas do sector público às do sector privado o governo só tem feito tal aproximação naquilo que é negativo para os funcionários, em tudo o resto não eziste qualquer aproximação.
Não entendo o porquê de tanta estranheza em relação ao juiz de Alenquer, o magistrado só fez aquilo que muitos funcionários públicos deste Portugal democrático gostariam de fazer e não fazem por temor de represálias. Por aquilo que vi o direito à remuneração do trabalho ainda é questionável e motivo de risota.
Esperemos que um dia destes as associações patronais que ainda há poucos dias sugeriram um corte nos salários à semelhança dos cortes dos vencimentos no Estado não se decidam a imitar o ministro das Finanças, este equipara o Estado ao privado naquilo que este tem de pior, e por sua vez este imita o Estado naquilo que lhe convém. É o progresso portuguesa, a igualdade faz-se por baixo.