Quando a miséria económica se combina com miséria cultural corre um sério risco de se transformar em endémica, é mais difícil de combater. É o que sucede nalgumas comunidades onde ao fim de décadas de combate à pobreza esta dificilmente consegue ser erradicada, um caso muitas vezes referido é o de Rabo de Peixe, nos Açores.
É um pouco o que está a suceder no país, nas últimas décadas a um problema de atraso económico tem-se juntado um problema de miséria cultura que torna o país incapaz de superar o seu atraso em relação aos países europeus mais desenvolvidos. É uma consequência da forma como se tem feito política e, em grande medida, um legado do Cavaquismo.
Com os governos de Cavaco Silva, em que todas as eleições eram precedidas de um mês de inaugurações criou-se no povo a ideia de que o Estado tem recursos ilimitados e os bons políticos são os que mais dão. Aumentaram-se pensões, conseguiram-se acordos de concertação social untando as mãos dos sindicatos, desbarataram-se as ajudas comunitárias em enriquecimentos fáceis, privatizaram-se empresas públicas e bancos criando um poder económico íntimo do poder, criou-se a ilusão da fartura.
Desde então o político bom é aquele que mais inaugura e mais oferece, desde autarcas a primeiros-ministros os nossos políticos tornaram-se personagens muito generosas multiplicando os truques para que não faltasse financiamento para as suas prendas eleitorais.
O Zé povinho habituou-se a ver no Estado uma entidade generosa e paternalista que deve cuidar de todos, multiplicou-se uma classe política aburguesada e cada vez mais numerosa que vive à custa do orçamento, as empresas que se especializaram nos negócios públicos ou que combinam objectivos económicos com influência política foram as bem sucedidas.
A grande consequência deste processo foi o empobrecimento cultural, a perda de qualidades competitivas do nosso tecido empresarial, a desvalorização dos mais capazes em favor dos mais espertos, a meritocracia foi desprezada em favor do Chico esperto. O actual poder feito de políticos, banqueiros de oportunidade, empresários de obras públicas mais não é do que uma versão mais sofisticada e rica do que os patos-bravos dos anos 60, só que estes enriqueceram à custa do seu trabalho, poderiam ser mais boçais mas não roubaram o país como têm feito muitas das personalidades que hoje dominam a vida política e económica do país.
Enquanto os instalados dominam os debates televisivas os nossos melhores quadros emigram para procurar países onde se dá valor às suas capacidades, o jovem bem sucedido é o “j” e não o que brilha nas universidades, o empresário que sobrevive é o amigo do político e não o que investe em novas tecnologias, o político que ganha é o que não tem coluna e não aquele que se rege pelos seus princípios.
O problema do país deixou de ser apenas económico, passou a ser a cultura miserável que domina a nossa sociedade e que impede que esta liberte as forças necessárias para superar o seu atraso.