Apesar de a nossa comunicação social estar a fugir do escândalo das escutas no Reino Unido como o diabo foge da cruz tem sido possível ouvir alguns dos nossos jornalistas a produzir o discurso de meninas ofendidas. Curiosamente ninguém questiona o modus operandi dessas escutas, nem comparam o que se passou no Reino Unido com o que sucedeu em Portugal.
É um facto que alguns jornalistas ingleses passaram das marcas mas não apenas porque escutaram as conversas da família de uma criança que morreu ou porque escutaram políticos. Passaram as marcas porque fizeram escutas ilegais e porque fizeram uso delas.
Ao que parece por lá recorreram a detectives privados para fazem essas escutas e muito provavelmente estes usaram recursos tecnológicos disponíveis no mercado, não tendo sido necessário interceptar as telecomunicações com a colaboração das operadoras ou violando as suas redes telefónicas. Esses equipamentos existem, podem ser comprados por qualquer um e se a sua utilização for ignorada pela lei ninguém comete qualquer utilidade se os tiver. Isto significa que a velha ideia de que sem um despacho social é impossível escutar alguém é uma mentira.
Nada nos garante que as muitas polícias que por aí existem não dispõem destes meios e se assim for seria muito interessante saber como se assegura que a sua utilização é feita nos termos da lei, isto é, com a tal autorização de um juiz. Quem nos garante que antes das escutas feitas legalmente não se fazem rastreios com recurso a equipamentos móveis.
Outro aspecto interessante é que não á qualquer diferença entre divulgar escutas obtidas ilegalmente ou divulgar escutas feitas de forma ilegal e cujas cópias chegam às mãos do jornalista de forma ilegal, pior ainda quando escutas supostamente feitas legalmente e que são divulgadas por jornalistas que as obtiveram de forma ilegal depois do Supremo já as ter declarado ilegais para efeitos judicias.
A grande diferença é que na Inglaterra para terem acesso a escutas os jornais tiveram de pagar a detectives para as produzir enquanto cá recebem-nas à borla de agentes da justiça e, não raras vezes, são publicadas nos jornais ainda antes de serem usadas pela justiça. Outra grande diferença é que na Inglaterra estes jornalistas foram despedidos enquanto em Portugal foram promovidos a heróis, escrevem biografias do futuro primeiro-ministro e atém lhe enviam sms para que um futuro secretário de Estado seja retirado da lista.
Pela forma como estas "meninas ofendidas" até parece que as únicas escutas ilegais que terão ocorrido neste país foram as que alguém disse ao jornal Público para noticiar em manchete.