quinta-feira, julho 28, 2011

E não querem também o rabinho lavado com água de malvas?


Quando alguém diz que fulano de tal lhe deve dinheiro o subconsciente de quem o ouve acrescenta “e não lhe paga”, só faz sentido acusar alguém de nos dever dinheiro para lhe chamar caloteiro, denunciando-o publicamente por não pagar o que deve. Quando Fernando Ulrich sugere que os problemas da banca seriam resolvidos se o Estado lhe pagasse a sua dívida fica no ar a ideia do incumprimento, de que o Estado falhou nas suas contas.

Mas isso não é verdade e não pode ser confundido com outras dívidas que os organismos públicos contraem, a dívida do Estado aos bancos portugueses resulta da compra de dívida soberana ou de contratos de financiamento de projectos públicos. Em ambos os prazos a dívida está contratualizada, a taxa de juro a pagar e o prazo de pagamento estão estabelecidos. Os bancos não foram forçados a vender crédito ao Estado, em regra fizeram-no porque estavam interessados e cobraram juros superiores aos que tiveram de comprar quando se financiaram, seja através da remuneração das poupanças, seja no mercado financeiro.

O que os banqueiros pretendem não é que o Estado seja cumpridor, é que o Estado prescinda dos direitos contratuais dos contratos de crédito para os financiar antecipando o pagamento, Isto é, querem que o Estado compre dinheiro a mais de 3,5% (a nova taxa que nos vaio ser cobrada pela Europa) ou a 5,7% (a taxa anteriormente fixada pela troika) para proceder ao pagamento antecipado de créditos com taxas bem inferiores. Não só os bancos ganhariam milhares de milhões de euros de um dia para o outro, como teriam disponibilidade para voltar a investir no crédito ao consumo, agora, com taxas ainda mais elevadas, poderiam voltar a enviar cartas aos clientes propondo crédito ao consumo com taxas de 1$% (como a que recebi do meu banco oferecendo-me 20.000 euros sem mais perguntas).

Quando Louçã defendeu o não pagamento e mais tarde a reestruturação da dívida chamaram-lhe louco e ai de quem propusesse uma renegociação do acordo com a troika, seria apelidado de idiota. Mas aligeiradas as medidas por causa da Grécia os banqueiros foram os primeiros a pedir a renegociação com a troika (mas só na parte que lhes interessa) e uma reestruturação (ao contrário) da dívida do Estado à banca portuguesa. Temos agora um BD dirigido pelo senhor Fernando Ulrich (quando acabar as duas cadeiras que lhe faltam tratá-lo-ei por dr, até lá tem menos habilitações do que a geração que ajudou a enrascar), só que este BD tanto pode querer dizer Bloco de Direita, como pode ser interpretado como Banda Desenhada pois os argumentos do banqueiro parecem saídos da boca do vendedor de peixe dos livros do Asterix.

Imaginem que Fernando Ulrich sugerisse aos clientes do BPI que fizeram contratos de crédito à habitação quando as taxas eram baixas que antecipassem o pagamento dos créditos para que o banco se pudesse financiar e aumentar o capital. É evidente que ouviria uma imensa gargalhada. Mas disse o mesmo em relação ao Estado, muito boa gente até ficou sem dormir preocupada com os banqueiros, mas nenhum político e muito menos jornalista ousou fazer o mais pequeno comentário, desmontando a manobra do banqueiro. Compreende-se, sem a publicidade da banca a nossa comunicação social iria à falência e sem os envelopes uma boa parte da nossa classe política também ficaria à rasca.

Durante mais de duas décadas as coisas correram bem à banca, o Estado era um cliente seguro e os seus créditos podiam ser vendidos no mercado possibilitando o financiamento do crédito ao consumo com taxas tão elevadas que os bancos desviavam os recursos do financiamento às empresas para enriquecerem com os cartões Visa, o crédito instantâneo, o crédito à habitação, às férias e à compra de automóveis. Os governos ajeitavam as leias para a banca, o Banco de Portugal ignorava os abusos dos bancos, os políticos reformavam-se para serem banqueiros e até os míseros professores ganhavam dinheiro com acções de bancos quase falidos. As montras dos bancos estavam cheias de imagens de férias e de computadores vendidos a crédito pelos próprios bancos, a fartura era tanta que alguns até criaram ou se associaram a agências de viagens. A fartura promovida pela banca era tanta que começava a ser mais fácil encontrar uma manicura portuguesa do que um americano nas praias de Cancun ou da República Dominicana.

Tudo corria tão bem que a banca desprezava as poupanças dos menos ricos e se desdobrava em criar balcões de gestão de fortunas para levar as fortunas dos mais ricos para as off-shore. Na hora de pagar impostos beneficiavam de políticos comprados para beneficiarem de impostos simbólicos e como estes ainda eram excessivos ajeitavam as contas na zona franca da Madeira. Com o financiamento era fácil e barato esqueceram-se de aumentar o capital, deverão ter multiplicado os negócios de amigos e familiares como os do BCP, passaram a ser menos exigentes nas avaliações patrimoniais do crédito à habitação. No fim do ano era só fazer as contas e distribuir os dividendos, de preferência com recurso a truques para minimizar os impostos a pagar pelos seus accionista.

Agora tudo mudou e, como é comum dizer, estão enrascados . Ainda por cima, estão para chegar os peritos que irão avaliar as garantias que servem de contrapartida aos créditos que concederam. As acções estão ao preço da uva mijona, os lucros estão a baixar, os juros dos depósitos a prazo sobem, o crédito esterno está difícil e ainda se arriscam a constituir provisões de muitos milhões para compensar os desvarios passados.

Qual é a solução? Entalar os portugueses em nome do interesse dos seus accionistas e é muito provável que venham a dizer que a culpa não é deles, é do Vítor Constâncio que não apertou com eles. Resta-nos esperar que a Vista Alegre produza um “Zé Povinho” dedicado aos nossos banqueiros ou que alguém se lembre de vender garrafões com “água de malvas” os rabinhos dos nossos Ulrichs estão mesmo a precisar de uma lavagem que lhes disfarce a borrada.