Nos últimos tempos Portugal apresentou progressos notórios, a austeridade deixou de ser excessiva, despareceram as assimetrias na distribuição do rendimento, a classe média ficou descansada e os mais pobres podem contar com a caridade do ministro do CDS. Cavaco Silva parece ter mandado guardar algumas das bandeiras que assumiu ainda há poucos meses, deixou de preocupar com os excessos governamentais na adopção de medidas de austeridade, deixou de fazer roteiros da miséria e nunca mais protestou contra os desequilíbrios na distribuição do rendimento.
Mas a verdade é que está em curso o maior assalto ao rendimento da classe média e o maior ataque à existência desta classe, já não bastam os tradicionais aumentos de impostos e o facto de ser esta classe a suportar a receita fiscal, aos cortes de vencimentos acordados entre Sócrates e Passos Coelho, junta-se agora o aumento brutal do IRS e um anunciado aumento do IRC, para além de se esperar um conjunto de medidas que forçando a classe média a recorrer ao sector privado visam desnatar o Sistema Nacional de Saúde e a Segurança Social.
De uma só vez e apenas à custa da classe média Passos Coelho resolve o problema das contas públicas, aumenta os lucros das empresas com uma redução da TSU e aumenta os lucros das empresas privadas dos sectores da saúde e da gestão de poupanças. E como se isto não bastasse antecipa privatizações que resultarão no desvio da reduzida capacidade de financiamento do sector privado para meras transferências da propriedade pública para a propriedade privada.
Não deixa de ser estranho que a mais emblemática das privatizações, a da RTP, tenha ficado em banho-maria enquanto avançam outras que não constavam do programa eleitoral. Compreende-se, enquanto nada for decidido na RTP a comunicação social interessada no negócio continuará a bajular o governo. Por outro lado, a antecipação de outras privatizações permite aos interessados comprar as empresas públicas no momento em que têm menor valor, desta forma serão ainda maiores as mais-valias na hora de as vender a grupos estrangeiros.
Estamos perante uma das maiores transferências de riqueza na história de Portugal, uma transferência de riqueza de todos para alguns, de um lado os pobres e a classe média pagam mais impostos, ao mesmo tempo o património do Estado é vendido ao preço da uva mijona, do outro lado estão os mais ricos que receberão reduções de impostos e empresas em saldo.
Dizem que tudo isto é para ser criado emprego. Alguém acredita que, por exemplo, o Belmiro vai criar emprego com os milhões que poupará com a redução da TSU? Alguém acredita que quem comprar os seguros da CGD para depois os vender a uma seguradora estrangeira ai c riar emprego?