Um dos aspectos mais curiosos e talvez o maior milagre da
acção promocional do Pingazedo foi ter unido a direita governamental ao Bloco
de esquerda, talvez não se trate de um verdadeiro milagre pois andaram unidos
durante mais de uma legislatura, mas não deixa de ser uma curiosidade.
O discurso governamental foi assumido pela ministra Assunção
Cristas que se manifestou preocupada em saber quem iria pagar a campanha, para
usar as suas próprias palavras “saber quem é que vai, no fundo, suportar esta
campanha”, acrescentando: «é o que nos preocupa (...), que é saber em que
medida é que este tipo de práticas pode depois levar a repercutir sobre a
produção e a agroindústria mais valores que não foram acordados previamente».
Tal como Assunção Cristas prometeu também Louçã exigiu “uma
regulamentação que permita que as grandes superfícies ou os distribuidores não
possam tirar ao consumidor e ao produtor e ter taxas de lucro desta ordem”
prometendo propor legislação «que já apresentou no passado para fixar margens,
regras e contratos entre os distribuidores e produtores e para proteger
produtos essenciais».
O que Cristas, em representação do governo, e Louçã disseram
foi rigorosamente o mesmo e os pressupostos do discurso é igualmente o mesmo, a
grande distribuição são os maus que ficam com os lucros e os produtores são os
coitados. Aos produtores o BE acrescenta as pequenas e médias empresas enquanto
a ministra refere a agroindústria.
Temos, portanto, um sector, o da distribuição, que é
pecaminoso porque nada produz e tem muitos lucros e do outro os que produzem e
são forçados a ter prejuízos. O discurso da direita e da esquerda conservadora
não só é precisamente o mesmo como assenta em pressupostos ideológicos, senão
mesmo religiosos, iguais, até poderíamos recuar no tempo e concluir que têm nos
fisiocratas a sua raíz comum.
O discurso só diverge na discussão da repartição dos
benefícios, enquanto a ministra quase ignora os consumidores a esquerda
conservadora não o pode fazer pois é entre os consumidores que está a classe
trabalhadora, os explorados que enquanto consumidores são duplamente
explorados. O BE é mais generoso para com os consumidores ao defender descontos
todos os dias do ano, a direita preocupa-se mais com os produtores, isto não é mais
do que a tradução dos valores ideológicos, para a esquerda a pureza ideológica
está numa classe operária promovida a vanguarda do proletariado, para a direita
é o rural, homem conservador, temente a Deus e bom chefe de família (algo que
no proletariado significa ser do Benfica).
Pouco interessa à direita ou à esquerda saber quem cumpre as
regras já existentes em matéria de legislação laboral, de higiene, de
qualidade, pouco importa saber quanto do que se produz e é comercializado nas
grandes superfícies é comprado à China ou a outros países que praticam dumping
social e não respeitam quaisquer direitos laborais ou normas ambientais. O que
importa à direita e á esquerda conservadora é que há bons de um lado e maus do
outro e que tudo o que venha de uns é pecado e tudo nos outros são virtudes.