Quando ouvimos Vítor Gaspar ficamos com a sensação de
estarmos a ouvir a palavra de Deus, aquele ar de menino a ler as escrituras na
missa lembra Jesus perante os sábios do templo, Gaspar fala com a certeza de
que o que diz é a verdade, parece haver uma relação unívoca entre os problemas
e a sua solução. Os restantes doze membros do governo, Passos e Moedas
incluídos, não são mais do que doze apóstolos apostados em ouvir, cumprir e
fazer cumprir a palavra do Vítor Gaspar.
Quando se ouve Gaspar esquecemos o memorando, a Merkel ou o
Durão Barroso, tudo estava escrito nos seus velhos papers que religiosamente
mandava aos amigos do BCE, tudo o que ia suceder e a mezinha que a economia
precisaria estavam nas suas escrituras, a crise financeira mais não foi do que
a solução encontrada por Deus para nos levar a crer na palavra do Gaspar.
Ao que o Gaspar sugere não há alternativa, a penitência que
nos exige não admite qualquer margem, a compensação milagrosa está prometida,
lá para 2013 teremos crescimento e criação de emprego. De nada serve questionar
Gaspar, Cavaco que lhe perdoe mas a sua opinião não é merecedora de reflexão,
Portas que se deixe escorrer pela cadeira ao som das gargalhadas porque vai ter
de engolir o aumento dos impostos, a sua penitência é uma exigência divina, é o
caminho da purificação de um país que durante anos ignorou os seus papers.
Gaspar fala como menino sem pecado, dá pequenos raspanetes
aos jornalistas, ignora as opiniões de Cavaco Silva com a ingenuidade de uma
criança, tudo nele é ingenuidade e irradia a luz do saber, nele vemos a
infalibilidade. Gaspar não erra, mesmo a um pequeno deus há realidades que
escapam, há previsões que podem falhar, mas se isso suceder cá o teremos para o
ano, para mais um aumento dos impostos ou talvez para capar os funcionários públicos.
O problema é que este Gaspar tem todo o ar de um menino que
não brincou com meninos, um jovem que não brincou com jovens, um adolescente
que não percebeu que o marranço não é lá muito afrodisíaco. Gaspar tem todo o
ar de ignorar o mundo em que vive, de desconhecer a realidade humana, para ele
não há países nem cidadãos, tudo é despersonalizado e reduzido a indicadores económicos,
não somos seres humanos, somos números de um laboratório onde é ele que manda,
ele é que decide se somos inteiros ou fracionários, se somos reais ou
imaginários, se somos positivos ou negativos.
Gaspar não erra, não comete desvios colossais entre as
previsões e a realidade, entre a receita fiscal estimada e a cobrada, entre a
promessa de crescimento neste segundo semestre e a espiral de recessão a que
estamos sendo conduzidos. Vítor Gaspar é infalível, é o economista enviado por
Deus para salvar o país com os seus papers, ele é uma espécie de bispo da
Igreja Universal do Reino de Deus que promoveu os seus papers a escrituras
transformando a política económica na leitura da sua própria palavra.