Um dos comentários mais frequentes aos resultados eleitorais na França é o crescimento da extrema-direita e a implantação da família Le Pen em eleitorados que no passado votavam no agora defunto PCF. Este facto deveria merecer uma reflexão para se tentar perceber quais as motivações dos eleitores que por aqui há quem designe por “povo de esquerda” e de que partidos como o PCP se sentem como sendo uma espécie de donos morais.
Mas se na França houve uma óbvia transumância eleitoral da esquerda para a direita, com os eleitores da esquerda mais conservadora a sentirem-se mais identificados com a direita igualmente mais conservador, por cá assistimos a um fenómeno muito similar, mas que em vez de envolver grandes grupos eleitorais envolve apenas um grupo relativamente numeroso de transumantes ideológicos. Até é curioso que haja quem encontre motivo de admiração para o facto de alguns jovens se terem mudado do cristianismo para o islamismo e ninguém ache estranho que uma boa parte dos nossos jiahdistas da direita.
Também há quem tenha mudado de ideias no sentido inverso, mas nesse caso nem as mudanças são assim tão grandes, como são claramente excepções. Lembro-me de Freiras do Amaral que é tratado como se fosse um pária ideológico ou do sempre divertido deputado Amorim que é um salta-pocinhas da política pois já saltou do CDS para o PND e deste para o PSD, mas ainda não pisou terras de esquerda.
Assim como os eleitores franceses do PCF parece sentirem-se atraídos pela extrema-direita também por cá alguns das personalidades mais conservadoras da direita vieram da esquerda mais conservadora. É o caso de gente como o Durão Barroso ou o do jornalista Fernandes, para não referir muitos outros casos e muitos outros.
O que motivará esta transumância da esquerda para a direita, o que levará muita gente a dar pulos ideológicos tão grandes? O que atrairá as pessoas, os valores ideológicos, a pura ambição natural ou a busca de um espaço onde seja mais fácil alcançar o estatuto animalesco de macho alfa? É óbvio que os que faziam de pitbull na velhinha Voz do Povo da UDP assumem agora o mesmo papel canino no Observador o que nos leva a pensar que que mais do que uma vocação ideológica o que motiva alguns é mais a vontade de dar dentadas, pouco importando se são dentadas de direita ou de esquerda.
Neste capítulo já vimos de tudo uma líder do aguerrido MJT do PCP, que se notabilizou por uma batalha contra o MRPP que destruiu a biblioteca de Económicas, apresenta-se agora como uma verdadeira senhora das melhores famílias da Quinta Patino. Um aguerrido constitucionalista do partido dos tempos em que quem os ousasse criticar era apelidado de agente da CIA é agora o guardião dos valores mais liberais da Constituição. O que explicará tanta cambalhota, serão apenas os impulsos ideológicos, a busca da verdade democrática ou estaremos perante opções que justificam as dúvidas que muita gente tem em relação ao mundo da política?