terça-feira, abril 26, 2016

Neo-salazarismo

Ao longo dos anos a direita mais conservadora e ressabiada tem vindo a passar uma imagem do salazarismo muito diferente daquilo que o país conheceu, dá-se a ideia de que o regime era apenas uma ditadura macia que apenas perseguia os comunistas, não incomodando todos os que não se metessem na política. Por outro lado, era um regime desenvolvimentista, avesso a corrupção e apostado em proporcionar melhores condições de vida aos portugueses, ao mesmo tempo que assegurava o enriquecimento do tesouro. No centro deste regime estava a candura de um ditador, exemplo de virtudes como o nacionalismo, a poupança, a honestidade e a devoção à causa pública.

Mas o regime foi muito mais do que uma ditadura simpática, não só foi uma ditadura violenta como todas as ditaduras da sua época, como o ditador não era esse avozinho simpático que exagerava na forma como perseguia os seus adversários.

A ditadura deixou um país miserável, com estradas para carroças puxadas por animais onde mal passavam dois carros, um mundo rural onde estava a maior parte da população activa mas onde não existiam qualificações e as povoações não sabiam o que era electricidade, água canalizada ou esgotos. Era um país sem mão-de-obra qualificada, que se financiava com as remessas de uma emigração miserável que vivia em bidonvilles.

A ditadura era tudo menos honesta, o dinheiro por fora era uma instituição a todos os níveis da sociedade e muitos salários no Estado eram estabelecidos contando com o que se ganhava por fora. É falsa a ideia de que a corrupção é um atributo da democracia, esta herdou um país onde a corrupção estava instalada. Sectores inteiros da economia eram entregues a homens do regime que se apoiavam nos serviços da polícia política para manter os trabalhadores num regime de escravatura, como sucedia nas pescas.

É igualmente falsa a ideia do desenvolvimentismo como ainda há poucos dias vi João Salgueiro elogiar a propósito do desenvolvimento do turismo em resultado dos planos de fomento. O modelo de desenvolvimento assentou numa trasfega de rendimento dos mais pobres para os mais ricos, sendo essa forma fácil de enriquecimento que financiava o capital a custos reduzidos.

O governo de Passos Coelho mais do que uma corruptela do liberalismo foi um governo neo-salazarista no sentido em que não só se apoiou nos valores do regime como a coberto de um excesso de troikismo tentou implementar em pleno século XXI e durante uma legislatura a trasfega de rendimentos com que o regime estimulava a criação de grupos empresariais poderosos.