segunda-feira, abril 25, 2016

O cravo

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Alguma direita encara o cravo enquanto símbolo do 25 de Abril como um símbolo da esquerda, daí a forma desengonçada como os sucessivos dirigentes dos partidos da direita o encaram, em particular, aqueles que chegam a Presidente da República. Cavaco nunca o usou, Marcelo exibe-o na mão e as fontes de Belém justificam a sua não colocação na lapela por ser um político do centro. Temos, portanto, que a estupidez nacional leva a que se use na lapela quando se é de esquerda, se leve na mão quando se é do centro e não se use quando se é de direita.
  
O facto de o cravo ser op símbolo da revolução deve-se ao facto de ser uma flor da época. No tempo da revolução não havia grandes estufas de flores e a flor mais vendida eram cravos e estes ou eram vermelhos, os mais frequentes, ou brancos, as modificações genéticas vieram mais tarde. Alguém se lembrou de colocar um cravo numa G3 e por uma feliz coincidência do destino um fotógrafo aproveitou para fazer uma bela imagem a preto e branco. Quem colocou o cravo na G3 não estava a fazê-lo por o cravo ser vermelho, era simplesmente uma flor que brotava de uma arma de onde seria de esperar que brotassem balas.
  
Portanto, nem o cravo é um símbolo da esquerda, nem o vermelho dessa flor era uma opção ideológica, alguém teve um geso que se tornou símbolo de uma revolução pacífica, uma revolução que teve mas não fez vítimas. O cravo foi um símbolo de uma tolerância que se tornou a imagem da evolução e nesse sentido a direita devia ter menos complexos em relação a essa pobre flor, foi graças a esse gesto que a revolução de Abril se tornou numa imagem mundial de tolerância com os vencidos. 
  
A direita devia ter com os cravos uma relação de simpatia pois essa flor simboliza a tolerância com que foram tratados muitos responsáveis do antigo regime. Alguns fugiram para o Brasil, mas isso resultou mais da sua má consciência do que do facto de terem motivos para recear pela sua vida. A revolução limitou-se a restituir a liberdade aos que não a tinham, não condenou os dirigentes de organizações como a Legião portuguesa ou a ANP, nem mesmo os inspectores da PIDE/GGS forma severamente punidos. Muitos deles acabaram por se reintegrar na sociedade e um deles até recebeu uma pensão concedida por um presidente que a recusou a Salgueiro Maia.
  
Não sou um defensor da bondade dessa tolerância, se os que escravizaram os trabalhadores, os que espoliaram os recursos do país protegidos pelo regime, os que mantiveram os lucros da colónias à custa de mortos e feridos numa guerra idiota, os que torturaram, mataram ou ajudaram a manter a repressão tivessem sido denunciados e condenados, talvez agora não andassem por aí dando lições de democracia ou a armar-se em vítimas da revolução.
  
Mais do que um símbolo da esquerda os cravos do 25 de Abril são um símbolo da tolerância com que foi tratada a direita do antigo regime. Mas a inteligência não abunda e os que deviam estar gratos a tudo o cravo vermelho representa, acabam por ser os que mais o odeiam. Enfim, "bem aventurados sejam os pobres de espírito, deles é o reino dos Céus".