Há uns anos atrás a Europa andou tempos e tempos a negociar uma constituição e na hora da sua aprovação os franceses juntaram comunistas e fascistas num referendo e acabaram por recusar o projecto europeu. Agora são os franceses a estarem muito indignados porque o primeiro-ministro grego ter decidido perguntar aos seus cidadãos se estavam de acordo com o resgate da dívida grega tal como foi decidido pelas potências europeias. Parece que a democracia europeia é uma questão de preço, só a pode praticar quem tem dinheiro para isso e pode mandar a Merkel e o totó do Sarkozy apanharem gambuzinos.
A verdade é que temos assistido a uma imensa panelinha europeia com muitos países, incluindo alguns tão enrascados como os gregos, a cozinharem uma solução que trame apenas os gregos. Nunca a Europa desceu tão baixo como está a suceder com esta vaga de líderes de direita que a governa, os ingleses gozam com o euro, os analistas londrinos chamam pigs a povos europeus, qualquer borra botas europeu auto-elogia-se dizendo que não podem ser comparados aos gregos, o presidente da Comissão Europeia está mais interessado em saber quanto lhe vai sendo depositado mensalmente na conta bancária, do senhor de que dizem ser o presidente da Europa, um tal Herman Van Rompuy que ninguém sabe quem é, deve andar a fazer o mesmo que o Barroso, o Berlusconi está mais interessado no traseiro da primeira-ministra sueca do que nos juros que a Itália paga.
No meio de toda esta palhaçada sacrificavam-se os gregos, o governo de direita português antecipa-se à Merkel e trama os portugueses e tudo se resolvia da melhor forma. Mas veio o Papandréu e lembrou-se de que a Grécia é o berço da democracia e neste capítulo nada tinha que aprender com bárbaros que ainda hoje poupam na água. O homem lembrou-se de fazer um referendo e a mesma Europa que foi à Líbia ajudar a matar e empalar o Kadafi e impor a democracia à força da bomba, ameaça agora a Grécia com a chantagem de não a ajudar se insistir nessa idiotice de ouvir a opinião do seu povo, gente menor que deve ser tratada à bastonada e se forem apoiantes de um Kadafi até merecem levar com umas bombas da NATO pelos cornos abaixo.
Só que agora somos todos gregos, muito antes de o referendo se realizar já a Itália estará à porta do BCE e nessa altura os fracos dirigentes europeus vão lembrar de quanto recusaram à Grécia, Portugal e Irlanda, dos juros brutais que lhes impuseram a troco de falsa ajuda, das chorudas comissões que lhes cobraram, das expressões humilhantes que usaram e da forma vergonhosa como gozaram com a sua soberania. Vão lembrar-se dos tempos em que a senhora Merkel pedia a todos os países europeus para que não adoptassem políticas restritivas como resposta à crise do subprime e da Comissão Europeia ter decidido suspender os limites ao défice prometendo que não seriam iniciados processos por défices excessivos. Tal como por cá a direita também se vai lembrar de quando chumbava orçamentos com o argumento de não apostarem no crescimento ou de quando chumbou o PEC porque foi feito nas costas do país e era austeridade a mais.
Pela boca morre o peixe e vai divertido ver os que por cá acusaram Sócrates de ter feito o PEC em segredo virem agora criticar os gregos por se terem libertado da asfixia democrática e levado a austeridade a referendo. Não será melhor do que fazer como o governo português que optou por fazer ameaças contra eventuais tumultos e como resposta aumentou o orçamento das polícias ao mesmo tempo que cortava brutalmente na educação e na saúde? Não será mais saudável a democracia do que a pinochetada orçamental do Gaspar?
A total ausência de sensibilidade social e devisão política destes amanuenses promovidos a políticos impede-os de perceber que estão a conduzir a Europa para a maior crise social e política do pós guerra. Vão perceber que na Europa há valores bem maiores do que os dos mercados e riscos bem mais perigosos do que as crises financeiras.