Cortam-me mais de 20% do rendimento, retiram-me todos os direitos, expõem-me socialmente como um gandulo responsável por todos os males, ameaçam-me com o despedimento, não me dão quaisquer garantias quanto ao futuro, mantêm-me agarrado a um estatuto que me restringe a liberdade como não sucede com qualquer trabalhador, dizem aos meus filhos que emigrem. É isto que o meu país e os seus responsáveis políticos me oferecem, algo como a Rússia dos tempos do Ieltsin.
Os trabalhadores por conta de outrem não terão melhor sorte, iludiram-nos ao manter-lhes os subsídios com o falso argumento de que ganham menos do que os do Estado, mas não foi necessário esperar muito tempo para que se multiplicassem a propostas para que lhes sejam reduzidos os rendimentos. O Álvaro não dorme pensando em formas de desvalorização do trabalho no sector privado, querem que se trabalhe mais 170 horas por ano à borla, já falam em reduzir feriados e em cortar dias de férias, alguns já pedem o corte dos subsídios à semelhança do que querem fazer no Estado. A mensagem do governo aos empresários é clara, tratem de tramar os vossos trabalhadores porque o governo vai tramar os seus.
O país assiste à maior operação de redistribuição do rendimento ocorrida na história do capitalismo português, pretende-se que em dois ou três anos e a coberto de uma crise financeira que há seis meses era negada se retire aos trabalhadores mais de um quarto do seu rendimento, seja sob a forma de cortes salariais, de aumento da carga horária ou do aumento brutal de impostos. E nem há qualquer preocupação para dar ares de quem está preocupado com a equidade social, muito simplesmente vai-se ao pote. Julgam que para evitar tumultos basta governamentalizar a caridade e reforçar o orçamento da polícia.
O governo está a ignorar o sentimento de revolta que cresce nos portugueses, despreza as consequências políticas de estar a adoptar medidas brutais justificando-as com mentiras sucessivas, não mede a consequência da brutalidade das suas decisões, faz que não vê o sofrimento que está a infligir em dezenas de milhares de famílias que estão sendo condenadas à insolvência.
Estes Batanetes estão convencidos de que basta contratar alguns jornalistas manhosos, pedir ao Correio da Manhã para fazer manchetes contra o Sócrates, sugerir ao director do DE que faça sucessivos editoriais dignos do Jornal da Madeira, acenar com a privatização da RTP para manter os grupos empresariais da comunicação social na ordem ou contratar alguns bloggers comunistas para o gabinete do Miguel Relvas para conter a revolta que vai enchendo a panela de pressão em que Portugal se está transformando.
Estes Batanetes ignoram que um dia a revolta poderá ter mais força do que o medo e nessa hora não haverá orçamento da polícia que contenha todo um povo. Ignoram que como se tem visto nas sondagens a sua pinochetada orçamental vai contra a vontade dos portugueses, que já todos perceberam que os desvios colossais não passam de mentiras manhosas e que está em curso uma política que alguns defendem desde há muito e que nada tem que ver com a crise financeira, uma política que não foi a votos, que foi escondida dos portugueses e que está a ser implementada contra a sua vontade.