Oitenta e três anos depois o mesmo golpe e os mesmos argumentos
«O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.»
N.º 2 do artigo 3.º da Constituição da República
Nunca em Portugal umas eleições legislativas realizaram-se com o conhecimento rigoroso da situação do país como as últimas. Os candidatos ao Governo conheciam com exactidão as contas públicas e a solução para os problemas estava negociada com a troika. É verdade que Passos Coelho sempre disse que seria mais troikista do que a troika, mas sempre que o disse deu a entender que se referia à liberalização da economia ou à questão da TSU.
Hoje o Governo cumpre um programa económico que foi ocultado aos portugueses, muito provavelmente porque resultam de ideias do ministro das Finanças que se tem vindo a impor no Governo como o Salazar dos tempos em que era igualmente ministro das Finanças. Com recursos a mentiras, como o famoso desvio colossal, o ministro das Finanças tem vindo a impor ao país as suas ideias fundamentalistas em matéria de política económica.
Agora já não é Portugal que segue as ideias da troika, é a troika que segue as ideias do Gaspar, muito provavelmente porque são economistas da mesma escola e estarão interessados em usar Portugal como cobaia de um processo de empobrecimento brutal, da mesma forma que inicialmente pretendiam brincar com a TSU.
Com base em mentiras e ajustamentos do acordo com a troika o Governo segue um programa e uma agenda política que não foi colocada à consideração dos portugueses, não foi sufragada eleitoralmente. Isto significa que a legitimidade deste Governo é apenas formal, Passos Coelho não tem mandato de primeiro-ministro para seguir a política que adoptou e o parlamento que o apoia é formado por deputados que enganaram os eleitores. Como se tudo iso não bastasse os protugueses elegeram um primeiro-ministro e agora quem manda é o ministro das Finanças, Vítor Gaspar está para Passos Coelho assim como Oliveira Salazar estava para o Marechal Carmona.
Mas a Passos Coelho não basta aplicar um programa que tinha sido ocultado dos eleitores, governa o país como se por aqui não existissem regras constitucionais e como se os portugueses fossem idiotas. Este desrespeito dos princípios constitucionais e a forma como o primeiro-ministro desvaloriza intelectualmente os portugueses, tratando-os como deficientes mentais é mais um motivo para que se possa questionar a legitimidade deste governo.
Passos Coelho sabe que o Tribunal Constitucional considerou que um corte definitivo do vencimento dos funcionários públicos é inconstitucional e por isso anunciou ao país a eliminação dos subsídios enquanto durasse o plano de estabilização. Mas comunicou esses cortes a Bruxelas como sendo definitivos e isso é evidente nas conclusões da recente missão da troika que até defende iguais cortes definitivos no sector privado. Passos Coelho desejou a vinda do FMI na esperança de assim poder impôr o seu projecto de revisão constitucional, agora já nem se dá ao trabalho de propor a revisão constitucional, muito simplesmente ignora a Constituição.
Passos Coelho não só mentiu aos portugueses como comunicou a eliminação definitiva dos subsídios a Bruxelas muito antes de qualquer votação parlamentar e mesmo sabendo que tais cortes são inconstitucionais. Passos Coelho e Vítor Gaspar estão a violar a Constituição da República com plena consciência de que o estão fazendo e ao comunicar à troika e a Bruxelas o corte dos subsídios estão fazendo gato-sapato do Tribunal Constitucional. Um Governo que viola descaradamente a Constituição de um país não é um Governo com legitimidade para ser respeitado pelos cidadãos.
Infelizmente, os mesmos senhores que ficaram muito preocupados com as palavras de Otelo não parecem estar muito preocupados por estarem a ser governados por um tecnocrata e por um licenciado na Lusíada que não respeitam a verdade, que mostram desprezo pelas votações parlamentares e que ignoram ostensivamente os acórdãos do Tribunal Inconstitucional. Infelizmente o suposto líder da oposição está mais preocupado com o seu enorme umbigo do que com os valores do seu próprio partido e com o respeito pelos sentimentos e obrigações para com os seus eleitores e para com todos os portugueses.
Hoje é evidente que Vítor Gaspar tem usado as contas públicas para produzir mentiras que servem pra justificar medidas que supostamente se destinam a reequilibrar as contas públicas. Mas a verdade é que de uma forma ilegítima, sem qualquer mandato e desrespeitando a Constituição o ministro das Finanças está a promover uma reengenharia social que envolve mais de 20% do rendimento de todos os trabalhadores, implementando um novo modelo económico que configura um novo velho Estado Novo.