quinta-feira, dezembro 06, 2007

Mais uma do Serviço de Finanças do Terreiro do Paço


Quando já pensava que o governo de Sócrates tinha extinguido o “Serviço de Finanças do Terreiro do Paço” eis que sou surpreendido com uma notícia do jornal “Público” que dá conta de mais uma decisão generosa deste serviço.

«O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, João Amaral Tomás, decidiu eliminar o cancelamento dos benefícios fiscais aos contribuintes que tinham dívidas em execução fiscal em 31 de Dezembro de 2006.

Esse perdão só se aplica a quem saldou as dívidas até final de Setembro de 2007, data do envio de notificações aos contribuintes em falta identificados por um novo sistema informático.

A despenalização foi dada com base num parecer da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), onde se reconhece que não há base legal para o perdão, mas que o mesmo se justifica, entre outros motivos, pelo facto de os contribuintes terem ajudado a alcançar os objectivos de cobrança de 2007.»

Se bem percebo o secretário de Estado concedeu um perdão fiscal á margem de uma lei aprovada pela Assembleia da República e que não lhe concedia quaisquer poder especiais e muito menos a decisão de não a aplicar ou aplicá-la segundo os seus próprios critérios e preceitos.

É evidente que neste processo o secretário de Estado situa-se no termo do processo de decisão, a iniciativa de tomar esta decisão generosa terá sido do subdirector-geral da Justiça Tributária que, coincidência das coincidências, é o homem que ao longo de anos chefiou os serviços que se esqueceram de cobrar as dívidas fiscais. Não deixa de ser curioso que esse subdirector-geral teve o cuidado de dizer que a sua iniciativa foi a pedido do director-geral, o que nos leva a pensar que nesta nova Administração Pública os “despachos” deram lugar a pedidos dos chefes, numa lógica salazarista de que “manda quem pode e obedece quem deve”:

«O parecer homologado pelo secretário de Estado, pedido pelo subdirector-geral para a Justiça Tributária a 12 de Outubro, 10 dias depois da entrada em funcionamento do novo módulo do SICBEF, esclarece que a proposta de despenalização partiu do director-geral dos Impostos, Azevedo Pereira. »

Acabou por ser este subdirector-geral a escolher quem beneficiaria da generosidade:

«A posição superior foi a do subdirector-geral para a Justiça Tributária: "justifica-se que, a título muito excepcional, apenas se verifique [a cessação dos benefícios fiscais] em relação aos contribuintes do IRS em dívida em 31 de Dezembro que não as realizaram até ao envio das notificações para o exercício de audição prévia, ocorrido em 26 de Setembro de 2007". Adiantando que "a mesma oportunidade deverá ser concedida aos contribuintes de IMI e de Imposto Municipal sobre a Transacção de Imóveis (IMT)". Esta posição foi posteriormente sancionada pelo director-geral, Azevedo Pereira, a 5 de Novembro, e pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a 19 de Novembro.»

Ao que se terá devido este momento de generosidade ilegal, abusiva e discriminatória? Terá sido a proximidade do Natal que estimulou os sentimentos do director-geral?

Se o fisco decidiu ser generoso é porque alguém protestou, requereu ou pediu? Quem foi? Quanto custou ao Estado esta decisão arbitrária e ilegal do secretário de Estado? Quem foram os beneficiados?

São as respostas que deveriam ser dadas porque os cidadãos que cumprem com as suas obrigações fiscais, que são sujeitos ao rigor da lei e ao arbítrio da Administração fiscal, que não beneficiam dos favores do “Serviço de Finanças do Terreiro do Paço”, que não conhecem subdirectores-gerais e directores-gerais, que não pagam “formação” a altos quadros do fisco, têm direito a saber quais são os portugueses que não cumprindo com as suas obrigações beneficiam da generosidade dos altos responsáveis do fisco, que não hesitam em desrespeitar a lei com o argumento da excepcionalidade das suas decisões.

Não é por acaso que a lei fiscal é competência da Assembleia da República e que ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ao fisco cabe apenas a sua correcta interpretação e aplicação, é inaceitável que o governo ou a DGCI desrespeitem as regras introduzindo favores e desigualdade fiscal.

Quando é que Sócrates encerra definitivamente este serviço de finanças criado para atender apenas alguns portugueses e onde a lei fiscal é criada à margem da legalidade e segundo os critérios dos altos responsáveis do fisco? Para o fisco os bons cidadãos merecedores da sua generosidade não são os que cumprem com as suas obrigações dentro dos prazos legais, são os que se esquecem de pagar as suas dívidas e apenas o fazem sob coação. Ainda bem que se assim é porque se fosse o comum dos cidadãos a beneficiar de tanta bondade fiscal até poderia cocluir que "a esmola é tão grande que até o pobre desconfia"!