Imaginem que depois do momento de informalidade que se
seguiu à assinatura do Tratado de Lisboa, momento que foi celebrado com
espumante Murganheira e que ficou para a história pelo “porreiro pá” segredado
por José Sócrates a Durão Barroso, o então primeiro-ministro decidisse
questionar a televisão que gravou e divulgou aquele momento.
Era um momento informal em que os estadistas se descontraíram
depois de longas e difíceis negociações, as televisões apenas estavam a
recolher imagens, as conversas eram de natureza particular, não sendo aceitável
que uma televisão se aproveitasse para saber das intimidades de um presidente
estrangeiro ou das intenções da senhora Merkel para essa noite. Mesmo assim um
televisão portuguesa achou que devia divulgar imagens em que Sócrates até
segredava ao ouvido de Durão Barroso e essas imagens foram usadas até à
exaustão para ridicularizar Sócrates e desvalorizar a assinatura do Tratado.
Imaginem que irritado com a situação Sócrates pedia ao
Conselho que a estação de televisão que registou e divulgou tais imagens fosse
excluída de toda e qualquer actividade do Conselho Europeu. Não é difícil de
perceber o que sucederia, o senhor Palma viria logo defender que haveria um
qualquer artigo do Código Penal que permitiria condenar Sócrates e se não havia
devia haver e condenava-se na mesma, o Presidente da República viria lembrar
que foi ele que liberalizou a televisão em Portugal e que as pressões sobre os
jornalistas são tão graves como as escutas a Belém, o Montenegro subiria ao púlpito
de São Bento para protestar pela asfixia democrática, a Manuela Ferreira Leite
viria a público usar o incidente para mais uma vez explicar que odeia o
Sócrates, o Manuel Alegre tomaria posição em defesa da cidadania, o Carrilho
daria uma entrevista ao Mário Crespo onde divagaria sobre a relação autoritária
entre o porreiro e o pá.
Mas ainda bem que Sócrates não fez nada do que agora fez o
Vítor Gaspar que nem sequer é primeiro-ministro, sendo muito questionável que
um ministro das Finanças tenha competências para exigir ao Conselho a condenação
administrativa de uma estação de televisão que o incomodou o prejudicou a sua
imagem. Está em causa a imagem externa do país e que se saiba Gaspar ainda não
é nem ministro dos Negócios Estrangeiros nem primeiro-ministro, talvez venha a
substituir o Passos Coelho em nome de um estado novo, mas por enquanto ainda
parece ser cedo.
O mais grave desta história lamentável que na sequência do
caso Rosa Mendes parece que o Governo está a seguir à risca as ideias de João
Duque sobre a informação da televisão pública, aplicando os princípios
defendidos pelo desastrado economista a uma televisão privada. Os jornalistas
portugueses ficaram a saber que quem se meter com o Gaspar leva, o fazem as
notícias que lhes agrada ou correm um sério risco de serem proibidos de
exercerem a profissão.
O mais curioso é que bem vistas as coisas a notícia da TVI
até foi de encontro aos interesses de Portugal, ao longo dos últimos seis meses
foi o único momento em que os juros da dívida soberana portuguesa baixaram de
forma consistente. Portanto, o que parece ter incomodado o ministro não foi a
divulgação de uma informação com impacto positivo nos mercados, que até poderia
ter sido encenada para ludibriar os especuladores.
O que irritou e preocupou o ministro não foram os prejuízos
para o país porque não existiram, foi sim a imagem do próprio ministro que televisão passou e que foi alvo de muitos
comentários, a forma subserviente com agradeceu e a postura de alguém que se
inclina e é incapaz de se sentar e falar de igual para igual. Mas disto o
jornalista não tem culpa, a TVI não pode ser acusada e condenada só porque o
Gaspar não passou a ter sex appeal só porque agora é ministro.
Ai Jesus se tudo isto tivesse sucedido no tempo do malfadado
Sócrates!