Se nos abstrairmos das consequências das vagas de manipulação
propagandística lançadas pelo governo em colaboração com o comissário europeu
para os assuntos monetários e analisarmos aquilo que parece ser o actual
memorando de entendimento com a troika que já não é mais do que um livro de
recados da direita alemã à direita portuguesa, concluímos que há muitas mais
semelhanças com o projecto de revisão constitucional de Passos Coelho do que
com o memorando inicial.
Aquilo que não encontramos no projecto que Paulo Teixeira
Pinto fez para Passos Coelho está nos papers do Gaspar. Passos Coelho defendia
a destruição do Estado social com a redução do SNS ou do ensino público a
serviços mínimos, enquanto Vítor Gaspar é defensor de um modelo económico
assente na mão-de-obra barata o que vai de encontro ao modelo social imaginado
por Passos Coelho. Portugal é um país pobre e a melhor forma de assegurar a sua
competitividade é apostar nas vantagens comparativas resultantes da mão de obra
barata e pouco qualificada.
Neste modelo o ensino de qualidade, a saúde cara e a classe
média são dispensáveis pelo que custam ao Estado e pelo volume de recursos que
consomem. Reduzindo o Estado ao mínimo e empobrecendo a classe média
libertam-se os recursos financeiros que escassearam quando acabaram as ajudas
comunitárias. Daqui resulta a necessidade de reformatar o modelo económico, não
se hesitando em levar à falência todas as empresas que não se enquadrem nesta
concepção, a prioridade vai para o sector exportador e para a banca, tudo o
resto é dispensável.
Os funcionários públicos despedidos terão novas
oportunidades no sector privado e segundo as regras de um mercado laboral
liberalizado e com direitos limitados. O excesso de mão de obra será exportado
através da emigração, os quadros mais qualificados são procurados pela Alemanha
amiga, os outros que se desenrasquem.
Esta estratégia assentava no empobrecimento forçado dos
trabalhadores e a destruição do Estado social. O empobrecimento forçado
começaria por um corte de 40 a50% do rendimento dos funcionários públicos,
redução que a prazo teria consequências no sector privado. Mentia-se dizendo
que os funcionários públicos eram ricos, mais tarde far-se-iam outros estudos e
defender-se-ia o empobrecimento no sector privado porque aqui se ganhava mais
do que no Estado.
Tudo estava a correr bem, o empobrecimento dos funcionários
públicos estava em curso e os desvios premeditados nos défices orçamentais
serviram de fundamento à destruição do Estado Social ou, como a redefinição das
funções do Estado como designou Gaspar ou ainda a refundação do Estado na
linguagem de Passos Coelho. Tudo ficou combinado na 7.ªa avaliação.
O que o Tribunal Constitucional fez não foi um gravíssimo
desvio orçamental que mais não é do que o desvio médio provocado por três meses
de governação de Gaspar nas Finanças. O crime do TC foi impedir o
empobrecimento forçado dos trabalhadores portugueses ao reafirmar a recusa de
cortes dos subsídios da Função Pública. Isto significa que apenas o projecto de
revisão constitucional de Passos Coelho pode ser ensaiado, as teses económicas
miseráveis e miserabilistas de Vítor Gaspar foram chumbadas por serem ilegais.
Além de serem ilegais eram ilegítimas pois o povo nunca se pronunciou sobre as
mesmas.
Compreende-se assim a raiva, compreende-se que o discurso de
Passos Coelho não parecesse ter sido escolhido por ele, compreende-se que em
vez de levar Portas a Belém o primeiro-ministro tivesse levado Gaspar.
Compreende-se a raiva, mais do que um desvio colossal foram as teses dos papers
de Vítor Gaspar que o TC e o país rejeitou.