A promulgação dos Orçamentos de Estado só começou a ser notícia nos mandatos de Cavaco Silva e pelos piores motivos, o ex-presidente de má memória aproveitava-se destas ocasiões para fazer prova de vida e porque durante uma legislatura promulgou orçamentos com normas descaradamente inconstitucionais.
Não admira que um PSD habituado a comunicações militantes de Cavaco Silva a propósito dos OE, tenha pressionado Marcelo Rebelo de Sousa para usar a comunicação das razões de aprovação do OE para alimentar um partido que sem política alternativa, que não seja o empobrecimento forçado, não sabe como fazer oposição, ainda por cima com um líder que anda armado em primeiro-ministro exilado, chorando baba e ranho pela reversão da sua grandiosa política.
A comunicação de Marcelo foi uma rotura com o passado e uma clara desilusão para a direita. Marcelo deixou de ter aquele ar de Cavaco Silva, teso como se tivesse engolido um taco de bilhar, discursando em pé, tendo como elemento decorativo um cortinado. Marcelo falou olhos nos olhos, não olhou os portugueses de cima para baixo e para trás das suas costas, explicou-lhes a sua posição sem estar preocupado em deixar um testemunho para memória futura e não hesitou em apoiar um OE com fortes preocupações sociais. Quanto ao rigor fez uma afirmação de princípio, porque, por definição, todos os OE são para serem aplicados com rigor, o rigor que faltou ao governo Passos Coelho que nunca controlou a despesa, compensando-as com receitas.
É isto que se espera de um presidente, que acredite no seu país e na democracia, que crie expectativas positivas para o país, que não se demita da sua obrigação de cumprir e fazer cumprir a Constituição. Apoiar um OE não significa que se partilhe das opiniões políticas ou dos valores ideológicos da maioria parlamentar que o aprovou, a democracia não é uma guerra civil onde um Presidente tem a obrigação de estar do lado dos seus.
Marcelo confirmou as piores expectativas da direita, não é o presidente militante e muito menos o pau mandado a que se habituou na anterior legislatura. Se Marcelo tivesse lançado a dúvida sobre o OE estaria a condená-lo, teria dito aos investidores que duvidassem do país, estaria a pedir aos eleitores que desconfiassem do governo. Foi isso que Montenegro pediu a Marcelo aos microfones da TSF. Aliás, foi mais longe, o líder parlamentar disse a Marcelo o que deveria dizer ao país.
Mas Marcelo foi ainda mais longe, não avaliou as virtudes do OE e disse o óbvio, que a avaliação de uma política económico tem o seu tempo próprio e foi claro, o efeito das medidas deste OE sentir-se-á lá para 2017, isto é, os efeitos de um OE não são avaliados em discursos partidários. Como se isto não bastasse Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de realçar que o OE não contemplava normas inconstitucionais e que tinha uma forte preocupação social. Marcelo não se assumiu como um militante da política económica seguida por este governo, mas afirmou claramente uma rotura com o seu antecessor e com a política económica iniciada por Gaspar.
Para que este Marcelo fosse o Marcelo que o PSD desejava teria de mudar muito o discurso, isto é, teria de ser o cata-vento que um dia alguém sugeriu de forma cobarde que ele seria. Para que o discurso agradasse à direita teria de haver uma mudança de vento de norte para um quadrante oposto, o cata-vento teria de rodar 180º. Marcelo nem sempre vai ajudar este governo, mas já é evidente que nunca será o Cavaco como o próprio Passos sugeriu.