O nível da dívida soberana portuguesa é tão elevado que independentemente do comportamento dos mercados faz sentido considerar a sua redução como um objectivo nacional, isto é, mesmo sem o recurso a ajuda internacional seria de bom senso adoptar medidas de austeridade, mesmo prejudicando o crescimento económico a curto prazo isso seria indispensável para garantir um crescimento sustentado a médio e longo prazo.
Mas a pressa, a tendência dos políticos para o populismo, a indiferença dos membros da troika em relação ao futuro do país, o oportunismo de uma classe empresarial que viveu à custa do proteccionismo do Estado e dos salários baixos podem levar o governo a exagerar em medidas fáceis e ser pouco inteligente na estratégia de reequilíbrio das contas públicas.
O exemplo da Madeira demonstra como o oportunismo político pode conduzir à irracionalidade e à irresponsabilidades, mas se os desvario madeirense foi possível graças à falta de vergonha na cara de Alberto João Jardim, a verdade é que há anos que o país vive num ambiente de irresponsabilidade. Agora aparecem algumas personalidades a verter lágrimas de crocodilo, a insinuar que o povo viveu acima das suas possibilidades, é, por exemplo, o caso do empresário Soares dos Santos que parece ignorar que muitos dos seus lucros foram conseguidos à custa de políticas consumistas, foram estas políticas que favoreceram o crescimento desproporcionado dos grupos que investem no consumo, sejam as grandes redes de distribuição, sejam as empresas de telecomunicações. E enquanto o modelo não faliu ninguém ouviu personalidades como Soares dos Santos ou Belmiro de Azevedo pedir a demissão de governos ou a exigir o recurso ao FMI.
Não há qualquer lógica económica no SNS, em nome da gratuitidade multiplicam-se os custos enriquecendo os privados que vivem à sua custa. Os transportes têm custos simbólicos e inventam-se esquemas para dispensar o pagamento. As auto-estradas deixaram de ser um luxo para serem à borla. Quase todos os portugueses se tornaram em economistas para justificar as mais diversas borlas, há milhares de razões para as SCUT, para a gratuitidade do ensino ou da saúde, para transportes a preço simbólico.
Agora as dívidas caíram-nos em cima, se a actual crise financeira tivesse ocorrido há dez anos teria sido nessa altura, se fosse daqui a cinco anos voltaria a suceder e, mais tarde ou mais cedo, teríamos de pagar a factura mesmo sem qualquer crise financeira. Mas a urgência não pode toldar-nos a inteligência.
Uma coisa é o ministro das Finanças destruir serviços públicos porque não estão associados ao eleitoralismo, outra é acabar com uma infinidade de serviços criados por ministros e autarcas para irem de encontro a eleitores ansiosos de receberem mais, de caminho empregaram-se os boys. Talvez por isso para o ministro das Finanças tenha elegido o fisco como modelo das fusões e extinções, em tempos de crise financeiro emagrece-se o Estado precisamente onde não engordou, deixando intactos serviços inúteis dentro seu próprio ministério, corta-se na proteína e continua-se a ingerir gorduras.
Esta pressa de mostrar serviço a qualquer custo parece estar a tornar alguns governantes um pouco mais lerdos no pensamento, quando o país precisa de um governo a apoiar a economia vemos os ministros da Economia e da Agricultura mais preocupados com o ar condicionado ou com dois ou três tachos do que com a viabilidade das empresas.