Tal como se diz que há um colesterol bom (o LDL) e um colesterol mau (HDL) também se pode afirmar que há austeridade boa e austeridade má. Um exemplo, se a austeridade consistir num corte de despesa pública que resulte da eliminação de procedimentos de gestão errados é boa se comparada com aumentos nos impostos que resultem na contracção do mercado interno.
Com o acordo com a troika o país habituou-se a ouvir falar de centenas de milhares de milhões de euros sempre que são referidos aumentos de impostos ou cortes da despesa. São oitocentos milhões de cortes na saúde, seiscentos na educação, mil milhões de impostos por conta do corte do subsídio de Natal. Ficamos com a ideia de que o que importa é cortar nas despesas ou aumentar os impostos, pouco se escreve sobre o impacto económico destas medidas, ainda menos sobre as alternativas e nada sobre as suas consequências a médio e longo prazo.
Uns porque continuam na ilusão de que se ressuscitasse a velha Siderurgia Nacional e se voltasse à campanha do trigo o país estaria em pleno emprego, outros porque continuam a beneficiar dos limites constitucionais para imporem as suas soluções, outros ainda porque estão a aproveitar-se da crise financeira para promoverem as suas contra-revoluções, ninguém parece querer discutir a situação financeira do país e as suas soluções com seriedade.
Haverá vantagem em manter a gratuitidade extrema no SNS e adequar a sua qualidade aos recursos financeiros do país? Com o corte prometido de oitocentos milhões no SNS é evidente que ocorrerá uma perda de qualidade, dificilmente poderão ser contratados médicos ao ritmo das necessidades e o crescimento dos serviços privados de saúde terão um mercado cada vez mais acrescido. Seria mais inteligente aumentar as taxas moderadoras introduzindo alguma economia no sistema do que passar do oitenta para o oito.
Outro bom exemplo da irracionalidade da gestão do sector público é o que ocorre nas empresas públicas de transportes, as borlas e o crescimento dos serviços sem quaisquer contrapartidas nos seus custos para os utentes levou a que estas tivessem aumentado a dívida a níveis insuportáveis.
A limitação das soluções por razões ideológicas impostas à direita e à esquerda obriga a que se acabe por adoptar medidas com efeitos perversos a médio e longo prazo. Para manter a subsidiodependência dos cidadãos e das empresas, para nada se fazer no domínio do combate à evasão fiscal, para se manter o imenso esquema de borlas nacionais acaba-se por limitar as medidas a cortes brutais na despesa pública sem se distinguir onde se corta e a aumentos irracionais de impostos.