Quando a Constituição de 1976 foi aprovada uma boa parte das doenças que hoje são curáveis ou não o eram o eram tratadas com recursos mais modestos, a maior parte das tecnologias hoje difundidas dos hospitais não existia, os custos por cama de hospital eram diminutos se comparados com os actuais. Uma boa parte dos problemas de segurança actuais não existia, eram necessários menos polícias e estes usavam equipamentos simples. Havia uma auto-estrada no norte e um bocadinho no sul e ambas eram pagas sem que alguém se tivesse lembrado de pedir borlas. Havia mais dificuldades e mais pobreza mas não eram condidas ajudas ao rendimento como o rendimento social de inserção.
Em 1976 era fácil prometer um sonho que obedecia aos padrões da altura, exigir a saúde ou o ensino gratuitos não tirava o sono aos economistas mais rigorosos, nessa altura até o Medina Carreira era um homem feliz e tranquilo que dormia descansado e deixa os outros adormecerem igualmente tranquilos.
Hoje há quem defenda a inclusão de uma cláusula constitucional que limite o défice orçamental e a dívida pública, o equivalente aos políticos que sofrem de despesismo compulsivo e aos eleitores que votam de forma oportunista em quem dá mais às bandas gástricas implantadas no estômago dos obesos que são incapazes de resistir à gula. Também há quem em 1976 se dizia mais socialistas do que os do PCP e hoje queira exorcizar o diabo socialista que lhes andou no corpo propondo uma Constituição mais liberal do que o regime da zona franca da Madeira.
Os portugueses levaram à letra o espírito da Constituição, incluindo aqueles que a detestavam, e instituíram a borla como regra nacional, tudo deve ser à borla excepto as custas judiciais por estas alimentam as alcavalas dos nossos meritíssimos, incluindo os manga-de-alpaca do Tribunal de Contas. Todos os governos e todos os partidos que lideram autarquias dedicaram-se a engodar os eleitores com mais borlas interessantes e multiplicaram institutos, fundações, empresas públicas e empresas municipais ou regionais para empregar os seus.
Mesmo que se eliminem os excessos de despesa pública o país deve questionar se deve manter um modelo incapaz de crescer e de gerar receitas para manter as borlas constitucionais ao mesmo tempo que é cada vez mais incapaz de assegurar pensões, subsídios de desemprego e subsídios ao rendimento. A solução dos liberais é transformar fazer chegar o mercado a todos os domínios, transformando a satisfação de toda e qualquer necessidade individual ou social num bem transaccionável capaz de gerar lucro. A solução da esquerda tem sido meter a cabeça no buraco como a avestruz e recusar-se a fazer contas.
É necessário reflectir sem a tutela abusiva de tecnocratas loirinhos e bem remunerados sobre que modelo de sociedade queremos e sobre qual a constituição mais adequada aos tempos que vivemos.