quarta-feira, janeiro 02, 2013

Ele avisou


A comunicação de Ano Novo de Cavaco Silva pode ser sintetizada em duas palavras “eu avisei”, aliás, quase tudo o que Cavaco diz desde que chegou à Presidência da República pode ser sempre sintetizado em duas palavras “eu escrevi”, “eu publiquei”, “eu postei”, “eu alertei”, “eu avisei”. Para Cavaco não há “nós”, Portugal tem um Presidente da República que está permanentemente a justificar-se, nele não há a dimensão de uma Nação, não há discurso colectivo, a ambição enquanto país está ausente. Há só um imenso “eu”.

Desta vez Cavaco não prometeu dias sorridentes e não foi na cantiga do crescimento e do emprego no segundo semestre do próximo ano, o Presidente da República sabe (sempre soube) que a política de Vítor Gaspar era potencialmente perigosa, sabe que o aumento das exportações nada tiveram que ver com qualquer ajustamento e se tivessem de ser atribuídas a trabalho de um governo não seria às patetices do Álvaro, ao extremismo do Gaspar ou à ausência diplomática de Paulo Portas.
 
Cavaco sabe que o país caminha para o colapso social, que a dívida continua a crescer exponencialmente, que os défices estão fora de controlo em consequência da recessão terapêutica imposta pelo ministro das Finanças. Cavaco abe que há um povo que sofre às mãos de políticos que aquecem o cu com livros do Salazar, que vê os filhos em quem tudo investiram partirem para a emigração, que perde o emprego, que perde a casa, que perde a esperança.
 
Cavaco sabe que a paz social de um país não sobrevive à miséria, à fome, ao fim da esperança, sabe isso da mesma forma que sabe que promulgou um OE cheio de medidas inconstitucionais e que tem por base a raiva porque no OE de 2012 o Tribunal Constitucional ter ousado defender a Constituição. Cavaco Silva sabe que esta estratégia do facto consumado algum dia será travada às boas ou às más e que muito antes do fim do ano o país poderá ter colapsado financeira ou socialmente.
  
E o que faz um Presidente da República? Discorda da política, apoia-se com a sua passividade e depois usa uma mensagem para lavar as mãos. Sabe que o OE é inconstitucional mas permite a sua implementação deixando o odioso a um Tribunal Constitucional que será confrontado com uma inconstitucionalidade de facto promovida por um Presidente que mais preocupado consigo do que com o país e com o regular funcionamento das instituições opta por se defender.
  
Cavaco sabe muito bem as responsabilidades que tem em todo este processo, sabe que este é o seu governo, o governo dos seus, o governo que tudo fez para ser eleito, o governo que ajudou a eleger, o governo que com a sua ajuda substituiu um outro muito antes do termo da legislatura. Cavaco sabe que o que agora defende em matéria de estabilidade política foi o que se recusou a fazer e que com o seu gesto foi ele que juntou uma crise financeira a uma grande crise política. Não vale a pena tentar ilibar-se de responsabilidades dizendo que seria dramático juntar uma crise política à grave crise financeira, a verdade é que o país está em crise política desde o seu discurso de vitória nas eleições presidenciais.
 
Cavaco Silva sabe de tudo isto e de muito mais, mas é porque sabe as suas responsabilidades na desgraça que está caindo sobre o país, responsabilidades que vêm do tempo em que o dinheiro para aumentar a competitividade do país foi mal gasto pelo seu governo, que agora em vez de enfrentar os problemas avisa. Avisa para que daqui a uns tempos possa invocar a sua inocência porque avisou.