A comunicação de Ano Novo de Cavaco Silva pode ser
sintetizada em duas palavras “eu avisei”, aliás, quase tudo o que Cavaco diz
desde que chegou à Presidência da República pode ser sempre sintetizado em duas
palavras “eu escrevi”, “eu publiquei”, “eu postei”, “eu alertei”, “eu avisei”.
Para Cavaco não há “nós”, Portugal tem um Presidente da República que está
permanentemente a justificar-se, nele não há a dimensão de uma Nação, não há
discurso colectivo, a ambição enquanto país está ausente. Há só um imenso “eu”.
Desta vez Cavaco não prometeu dias sorridentes e não foi na
cantiga do crescimento e do emprego no segundo semestre do próximo ano, o
Presidente da República sabe (sempre soube) que a política de Vítor Gaspar era
potencialmente perigosa, sabe que o aumento das exportações nada tiveram que
ver com qualquer ajustamento e se tivessem de ser atribuídas a trabalho de um
governo não seria às patetices do Álvaro, ao extremismo do Gaspar ou à ausência
diplomática de Paulo Portas.
Cavaco sabe que o país caminha para o colapso social, que a
dívida continua a crescer exponencialmente, que os défices estão fora de
controlo em consequência da recessão terapêutica imposta pelo ministro das
Finanças. Cavaco abe que há um povo que sofre às mãos de políticos que aquecem
o cu com livros do Salazar, que vê os filhos em quem tudo investiram partirem
para a emigração, que perde o emprego, que perde a casa, que perde a esperança.
Cavaco sabe que a paz social de um país não sobrevive à
miséria, à fome, ao fim da esperança, sabe isso da mesma forma que sabe que
promulgou um OE cheio de medidas inconstitucionais e que tem por base a raiva
porque no OE de 2012 o Tribunal Constitucional ter ousado defender a
Constituição. Cavaco Silva sabe que esta estratégia do facto consumado algum
dia será travada às boas ou às más e que muito antes do fim do ano o país
poderá ter colapsado financeira ou socialmente.
E o que faz um Presidente da República? Discorda da
política, apoia-se com a sua passividade e depois usa uma mensagem para lavar as
mãos. Sabe que o OE é inconstitucional mas permite a sua implementação
deixando o odioso a um Tribunal Constitucional que será confrontado com uma inconstitucionalidade
de facto promovida por um Presidente que mais preocupado consigo do que com o
país e com o regular funcionamento das instituições opta por se defender.
Cavaco sabe muito bem as responsabilidades que tem em todo
este processo, sabe que este é o seu governo, o governo dos seus, o governo que
tudo fez para ser eleito, o governo que ajudou a eleger, o governo que com a
sua ajuda substituiu um outro muito antes do termo da legislatura. Cavaco sabe
que o que agora defende em matéria de estabilidade política foi o que se
recusou a fazer e que com o seu gesto foi ele que juntou uma crise financeira a
uma grande crise política. Não vale a pena tentar ilibar-se de responsabilidades
dizendo que seria dramático juntar uma crise política à grave crise financeira,
a verdade é que o país está em crise política desde o seu discurso de vitória
nas eleições presidenciais.
Cavaco Silva sabe de tudo isto e de muito mais, mas é porque
sabe as suas responsabilidades na desgraça que está caindo sobre o país,
responsabilidades que vêm do tempo em que o dinheiro para aumentar a competitividade
do país foi mal gasto pelo seu governo, que agora em vez de enfrentar os
problemas avisa. Avisa para que daqui a uns tempos possa invocar a sua
inocência porque avisou.