Quanto mais se sobe na hierarquia do poder mais difícil se torna ter a noção da realidade e quando se atinge o topo corre-se um sério risco de não se ter a mais pequena ideia de como somos realmente vistos, a vaidade dos poderosos e a graxa quase doentia da corte que os rodeia cria uma parede opaca que não raras vezes os leva a perder a noção da realidade.
Em Portugal a graxa e a subserviência são instituições, se alguém quer subir na hierarquia dos partidos, do Estado ou das empresas tem de saber esperar a sua vez e enquanto está no fim da cadeia alimentar ser submisso, saber dar graxa a quem está acima e adoptar uma coluna vertebral de borracha são condições necessárias para sobreviver. São instituições tão poderosas que a arte aprende-se logo no ensino básico onde a relação entre professores e graxistas começa a estruturar muitos daqueles que um dia serão os nossos líderes nos mais diversos domínios da sociedade.
Observe-se atentamente a comitiva que rodeia um presidente ou um primeiro-ministro, estão todos com cara de parvos a aguardar que o “senhor” fale, se o “senhor” disser algo supostamente sério vemos caras torturadas como se tivesse ouvido algo de tão complexo cuja digestão intelectual obriga a um grande esforço dos molares cerebrais. Se o “senhor” diz algo com ar de quem acha que tem graça todos riem como se tivessem acabado de ouvir a melhor anedota dos últimos tempos.
Não deve ser fácil para Cavaco Silva perceber que as suas reflexões sobre a felicidade das vacas da Graciosa ou sobre o prazer que as mesmas devem sentir na ordenha mecânica não têm grande conteúdo intelectual, estando a meio caminho da fase terminal da doença de Alzheimer. Não me admiraria nada se durante o jantar algum assessor da Casa Civil tivesse pedido ao senhor presidente para lhe explicar todo o alcance filosófico do que tinha visito no rosto dos bovinos leiteiros.
Quando António Costa se dirigiu a um grupo de militantes convidados a ouvirem atentamente o primeiro-ministro explicar-lhes a evolução do esboço para o OE terão sentido uma enorme vontade de rir perante a brilhante piadola de Costa sobre a melhor forma dos portugueses deixarem de pagar impostos especiais sobre o consumo. Alguns até lhe poderão ter sugerido um aumento do imposto sobre as bebidas alcoólicas não vá alguém pensar que este imposto não foi aumentado para que os portugueses possam andar bêbados como os perús na véspera do dia de Natal.
Não deve ser nada fácil a um político perceber se disse algo de realmente sério ou se teve mesmo graça, muitos anos depois de andarem a ser bajulados por uma casta que a troco de um lugar junto à manjedoura há muito que deixaram de ser vertebrados ao governantes deixam de ter a noção da realidade. Não lhes deve ser fácil perceber o ditado popular de que vale mais a pena ter graça do que ser engraçado.