A comunicação social de hoje proporciona-nos duas capas muito interessantes do ponto de vista da abordagem que em Portugal se faz das questões fiscais, a abordagem do senso comum ciclicamente repetida pela comunicação social e a do poder.
Sempre que Portugal enfrenta dificuldades procuram-se culpados, para uns os pobres consomem demais, para outros os ricos pagam de menos, para uns o dinheiro dos primeiros são um direito e o dos segundos um abuso, para outros o dinheiro dos primeiros é um custo e o dos segundos investimento. Esta luta de classes também está presente no domínio da fiscalidade e do combate à evasão fiscal, sendo opinião muito comum que são os ricos que se escapam aos impostos.
Subjacente a esta ideia há uma outra de que a máquina fiscal deve ser tolerante com os pobres e dura com os ricos, porque quando os pobres não pagam impostos é porque não podem e tiveram de dar de comer a um filho, enquanto os ricos fazem da evasão fiscal um desporto nacional e os seus campos de golfe são buracos orçamentais. Cria-se a ideia de que a evasão fiscal tem duas abordagens, é condenável quando praticada pro uns e progressista se for praticada por outros.
Em Portugal nunca se fez um estudo sério sobre a evasão fiscal, e ela forma como a economia reagem em situações de austeridade extrema até desconfio que a economia informal é bem mais dinâmica económica e socialmente do que se imagina. Quem foge aos impostos em Portugal? É verdade que os nossos ricos são dos que menos pagam, mas também é verdade que em Portugal a evasão fiscal é generalizada nos extremos da riqueza, porque entre os menos ricos o ordenado pago por fora, o "biscate", a prestação de serviços sem factura, a evasão contributiva é tão generalizada que é bem capaz de ter um peso significativo não só nas contas do fisco, como também nas do emprego e da distribuição do rendimento.
A segunda notícia é fruta da época, nos últimos anos os governos têm sido oportunistas e não só cortaram vencimentos e aumentaram impostos a quem os paga, como obrigaram os contribuintes a financiarem o Estado através de tabelas retenção do IRS abusivas, isto é, os portugueses todos anos empresta dinheiro ao Estado sem terem o direito de o recusar. O governo de Passos usou e abusou deste expediente.
Mas em vez de normalizarem esta situação os governos são incapazes de retroceder e nesta época não resistem à tentação da propaganda fácil, com um pouco de vergonha a menos transforma o reembolso do que foi indevidamente corado num acto de generosidade dos governantes. Habitualmente os secretários de Estado dos Assuntos Fiscais começam mais tarde, informam que começaram os reembolsos, quinze dias depois informam qe já foram devolvidos não sei quantos milhões, uns dias depois sabemos que já foram processados a quase totalidade.
Desta vez e talvez porque os que mais são reembolsados são precisamente os que não sentiram o fim da austeridade o secretário de Estado achou que devia ter um gesto de generosidade com aqueles que nos últimos dias foram promovidos a nova burguesia. Os contribuintes devem estar gratos ao secretário de Estado e começar a marcar as férias em Cancun pois este anos a generosidade governamental nos reembolsos é ainda maior. É caso para dizer "obrigadinho ó Andrade pela generosidade da gorjeta!".