O meu carro sente-se marginalizado no seu direito inalienável à manifestação, um direito constitucional e um dos pilares da democracia. O meu carro anda tão desiludido com a democracia portuguesa que já me ameaçou de se mudar para o Google para poder dispensar condutor e ir se mim às manifestações que lhe der na real gana.
O pobre carro nem está com inveja do cão ou do gato cujos direitos constitucionais são respeitados pois que desde que usem trela e lhes limpem os cocós podem ir às manifestações que bem entendem. A revolta do carro não está na inveja mas sim no sentimento de discriminação, não consegue perceber porque motivo os carros dos taxistas, desses senhores que acham que as raparigas virgem servem para ser violadas, podem ir às manifs com os donos e le não.
Pergunta-me a minha modesta viatura se o seu roncar está impedido de se fazer ouvir, ou se é por respeitar as normas em matéria de ambiente e não cheirar tão mal da boca como os fogareiros. O que é certo é que o meu carro não aceita esta discriminação e imagino que sejam muitos os carros que se sintam revoltados. Porque é que o carro do professor que vem à manif a Lisboa tem de ficar em casa, ou estacionado com pagamento do parquímetro, enquanto o do taxista que vem do Porto ou de Braga já pode ir à manifestação com o dono.
O pior é que o meu carro já me começa a chamar idiota, agora diz-me que se eu organizar uma manifestação com 50.000 colegas ninguém me dá ouvidos, a Fátima Campos Ferreira não organiza um Prós & Contras, a PSP limita-se a mobilizar uns agentes barrigudos da divisão do trânsito que estão de folga, o Marcelo ignora a minha existência e não sou recebido por nenhum governante.
Mas se for uma manifestação de 1000 carros a largar fumo, provocando o pânico em velhos e virgens, a desancar porrada nos UBIS já toda a gente lhes presta atenção, a CMTV está ligada à manif todo o dia, Passos Coelho vem em seu auxílio, a Cristas defende que é tempo de lhes arranjar uma solução, a Fátima Campos Ferreira arma-se em Madre Teresa do Cabo Ruivo, meio governo fica em piquete de urgência, Jerónimo de Sousa manda os seus mais brilhantes deputados para a cabeça da manifestação em busca dos jornalistas da TV.
O meu carro tem razão quando se queixa de que os carros dos taxistas têm o direito constitucional à manifestação e ele não. E ainda goza comigo dizendo que quando eu vou às manifs tenho de pagar transportes públicos enquanto os patrões dos fogareiros levam os empregados à manif de táxi e ficam ana Rotunda do Aeroporto dando entrevistas, assustando as virgens e bebendo minis com sandes de courato.