domingo, outubro 23, 2016

Umas no cravo e outras na ferradura



 Jumento do Dia

   
Assunção Cristas, cliente assídua dos CTT

A esta hora Junckers, presidente da Comissão Europeia, deverá estar a pensar na possibilidade de instalar um secretariado só para ler e responder às cartas dos pequenos partidos europeus. Se os líderes das muitas dezenas de pequenos partidos com menos de 10% dos votos decidirem começar a mandar cartas sempre que se quiserem pôr em bicos de pés os serviços do presidente da Comissão Europeia não terão mãos a medir com tanta correspondência.

Assunção Cristas achou que devia dar nas vistas porque o INE estimou o défice abaixo dos 3%, ignorando as contas que o actual governo teve de fazer e os malabarismos que teve de fazer por causa da malandrices fiscais de Paulo Núncio, seu colega de partido. Era melhor que  se lembrasse da famosa promessa da sobretaxa do IRS, que levou a um aumento artificial das receitas fiscais, à custa da retenção do IVA e do IRS. Se o fizesse talvez poupasse em selos de correio.

«Assunção Cristas aproveitou este sábado de chuva para escrever novamente a Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Desta vez, a líder do CDS fez-lhe saber que o Instituto Nacional de Estatística português “procedeu a uma segunda notificação em que apresentou uma revisão em alta do valor do PIB nominal de 2015” para um valor que faz “reduzir o valor do défice” para 2,4%, excluindo o efeito Banif.

Com estes novos números, assume Cristas, torna-se “incontornável travar, sem mais, as sanções decorrentes do procedimento dos défices excessivos em cursos, nomeadamente quando à suspensão dos fundos comunitários para Portugal”. E assume: “Aplicar sanções a Portugal seria injusto e inqualificável”.» [Público]

 Noite de Halloween antecipada?

Está visto que os dirigentes e ex-dirigentes do PSD, talvez com excepção de Cavaco Silva que prefere a Nossa Senhora de Fátima, andam armados em bruxas e a festejar antecipadamente o Halloween. Primeiro foi Passos Coelho a adivinhar uma calamidade em Setembro, agora é Marques Mendes que adivinhou que o ministro da Economia era o primeiro membro do governo a partir. Enfim, com tanta bruxa que anda por aí o melhor é andarmos com amuletos contra bruxaas e bruxarias.

 Fernando Lima e os espiões

As asfixia do país fazia a RDA parecer uma das melhores democracias e Belém não escapava à espionagem, há muito que Fernando Lima suspeitava disso:

«A suspeição que havia em Belém quanto a uma eventual vigilância não se manifestou apenas com o artigo do Público do dia 18 de agosto de 2009. Muito antes, em janeiro de 2008, vim a saber que o afastamento do diretor de um jornal se ficava a dever a informações que eu lhe prestara sobre a Estradas de Portugal, um assunto que estava a gerar grande controvérsia política». 

Deixemos para depois o saber que tipo de informações tinha e andava a distribuir Fernando Lima sobre uma empresa pública e sobre a legitimidade dessa atuação. O facto é que Fernando Lima já andava a imaginar espiões vigiando Belém desde 2008. 

Mas os espiões não se limitariam a vigiar e escutar o palácio ou a manter uma vigilância apertada à presença da fonte anónima na comunicação social, Fernando Lima era espiado a todo o momento. Ele próprio conta uma história que, no mínimo, é hilariante:

«Enquanto procurava arrumar, no silêncio do meu escritório, a minha cabeça do abalo sofrido, recebi, ao fim da tarde, uma chamada de um amigo, oficial-general. Pediu para nos vermos daí a meia-hora, pois queria dar-me uma braço de solidariedade. Acertámos o nosso encontro para o jardim do Campo Pequeno, lugar que convinha aos dois, e à hora marcada lá estávamos. A nossa conversa, de mais de uma hora, foi feita de pé, com tal discrição que, para quem por nós passava, éramos dois desconhecidos. Quando nos preparávamos para nos irmos embora, reparámos que um mendigo se encaminhava na nossa direção. Cada qual procurava umas moedas para atender a um pedido pela certa. Mas o mendigo não veio ao nosso encontro para pedir. Queria, apenas, prevenir-nos de que tínhamos sido fotografados, longamente, por alguém escondido atrás de uma sebe. Transmitido o aviso, e sem mais, o mendigo seguiu o caminho».

Enfim, ainda há boas almas que querem ajudar o próximo e mendigos desinteressados e generosos, por pouco era o mendigo a dar uma gorjeta ao Lima e ao general! Mas não, só queria avisá-los da presença do espião e fica a dúvida: como é que o espião sabia que iam estar ali? É óbvio, recorrendo a escutas a Belém. Fernando Lima ser escutado, perseguido, fotografado e espiado 24 sobre 24 horas, o verdadeiro herói da guerra fria tuga.! Num próximo mandato de Cavaco arrisca-se a ser condecorado com a Ordem da Liberdade....

Mas cuidado, Lima sabe de espiões:

«No meu relacionamento com Edward Koralev, coronel do KGB e primeiro correspondente em Portugal da agência noticiosa TASS após o 25 de Abril de 1974, aprendi que devemos estar sempre com quem nos procura para obter informação»

As situações em que Fernando Lima se sente espiado repetem-se da mesma forma que se repetem as referências à asfixia, chegando-se a comparar Portugal com a RDA da Stasi. 

O livro de Fernando Lima é também um livro sobre a espionagem conduzida por Sócrates, que criou uma espécie de Stasi privativa só para vigiar Fernando Lima, o grande defensor da democracia.

      
 As fatwas de Marques Mendes
   
«Dizem por aí que o ministro da Economia vai ser corrido, deflacionado, vai ser deslocalizado, afastado por António Costa. Deve ser um problema da Economia, poucos lhe sobrevivem muito tempo, tenham ou não currículo para mostrar e algum trabalho feito no entretanto. Álvaro tinha apelido (Santos Pereira), não tinha era partido, não era militante do PSD, e então foi rapidamente chutado para França com a autoconfiança abalada. Felizmente, Paris opera maravilhas em qualquer alma, podia ter-lhe calhado destino pior.

Coube a Manuel Carreira Cabral ocupar o mesmo lugar no governo seguinte. A acreditar no que diz Marques Mendes - no Marques Mendes que tem chapéu de comentador e outro de conferencista -, já não falta muito para acontecer a exoneração ministerial. Mendes não é o único a lançar a previsão, mas dita pela boca do antigo líder do PSD ganha outro peso. Acresce que entre os vários chapéus que ele acumula no armário, para usar consoante a ocasião e o interlocutor, há um que pertence ao Conselho de Estado, o Olimpo dos conselheiros do Presidente da República.

Deveria esta circunstância política, que também é uma enorme responsabilidade democrática, temperar-lhe um pouco as fatwas que lança? Um observador desinteressado diria que sim, mas Marques Mendes não parece preocupar-se muito. Pelo contrário, tira partido disso. Há ali, no que ele diz, uma sopa de letras com o perigo de acabar num refogado de interesses: algumas fatias de informação, um par de rodelas de opinião bem fininhas e meia colher de manipulação para apimentar.

O assunto pode ser a Galp, amanhã os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de futebol mais polémico - todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então, com a maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro sem ter de citar qualquer fonte, sem situar a origem da informação, sem essas maçadas todas que teoricamente fazem da informação o que é suposto ela ser: factos pesquisados, verificados e documentados, não apenas ouvidos a meio de um repasto. Mendes tem uma espécie de licença para matar - matar reputações, moer outras, promover algumas pelo caminho.

Faça-se no entanto justiça. Há outros como Marques Mendes, alguns até com menos talento para comunicar e uns poucos ainda a coberto da Carteira Profissional de Jornalista. O nosso conselheiro de Estado é só a fruta da época e quem sabe onde ele chegará..., como ele próprio diria num comentário bem calibrado sobre alguém, deixando nas entrelinhas o veneno da dúvida.

Pois eu não sei nem quero saber quais são os objetivos políticos que Marques Mendes tem, se é que os tem, mas não deixo de notar o equívoco do que ele faz na área onde eu trabalho. Ele não esclarece os assuntos, posiciona os assuntos, fecha-lhes o ângulo de uma maneira muito especial e parcial. Dá a "notícia" e remata com a baliza aberta. Manuel Caldeira Cabral foi exonerado por Marques Mendes numa conferência que aconteceu nesta semana, não foi, portanto, na televisão, mas o estilo e o método são estes, só muda o cenário. A eficácia da mensagem é de elevado nível: muita gente acredita. Talvez isto seja apenas um espelho do país que somos. O jornalismo não fiscaliza o poder e os poderosos, serve de barriga de aluguer e também por causa disso enfraquece-se todos os dias.

Mas o mais interessante disto é que Mendes, acertando algumas vezes - e acertou em cheio na resolução do BES, o que diz muito sobre a irresponsabilidade de alguns dos nossos decisores políticos, línguas de trapo mesmo em assuntos tão delicados -, Mendes, escrevia eu, também falha. Tenho bem consciente que já o vi atirar muitas vezes ao lado, horrivelmente ao lado, revelando-se incapaz de compreender o que aí vinha, mas ainda assim especulando com a assertividade dos eleitos que tudo podem saber com um par de telefonemas certeiros, até sobre geopolítica internacional.

Vivemos os anos dourados da opinião, não da informação. Esta coluna que escrevo é apenas um exemplo - espero que tenham alguma misericórdia ao lê-la -, embora venha embrulhada num jornal que o que tem mais são notícias, entrevistas e reportagens, doseando sensatamente tudo o resto para não perder a identidade e a vocação. A famosa Fox News e a MSNBC, canais de informação americanos, já estão para lá de Bagdade neste assunto. Oferecem metade do seu tempo aos comentários - o que não é o mesmo do que análise, exercício jornalístico qualitativamente diferente para melhor -, deixando para segundo plano a procura intensiva da informação. E o mais ridículo disto tudo é que já está provado que estes pundits, como lhe chamam os americanos, no fundo estes comentadores como Marques Mendes, confundem muitas vezes desejos com factos, fabricam uma narrativa que os impele a ignorar a realidade, não prestam atenção suficiente aos detalhes, não são flexíveis o suficiente para captar as zonas cinzentas, são pouco tolerantes com a complexidade. Têm uma agenda.

Resumindo: eu não acredito que António Costa substitua Manuel Caldeira Cabral.» [DN]
   
Autor:

André Macedo.