A direita estava tão convencida de que tem o exclusivo do rigor orçamental que Passos Coelho decidiu por não fazer jus ao seu nome, optando por fazer o papel de cigarra durante quase um ano, estava convencido de que o diabo do segundo resgate viria em setembro do ano passado. Em 2016 a esquerda conseguiu demonstrar que o rigor orçamental não é um atributo ideológico e que para o conseguir não é necessário recorrer aos métodos de Pinochet ou substituir estes pelo medo da troika.
A esquerda conseguiu demonstrar que é possível reduzir o défice, respeitar dos direitos constitucionais e não levar Cavaco Silva a declarar que as pensões do casal já não chegam para os carapaus alimados. Sem o querer a esquerda acabou por destruir um dos seus próprios dogmas, não só reduziu o défice a níveis que pareciam ser inalcançáveis, para desgosto do recordista Cadilhe, com conseguiu manter a economia a crescer, restabelecendo a confiança dos agentes económicos.
Mas, o rigor orçamental não chega para restabelecer a confiança dos investidores e este é o maior desafio para a atual solução governativa. O maior desafio de um governo apoiado pelo PCP e pelo BE está em conseguir atrair o investimento e adotar políticas que assegurem que os benefícios do crescimento se reduzem em justiça social. Aqui há outro dogma da direita que terá de ser equacionado, o de que primeiro se promove o crescimento e depois serão os mecanismos de mercado a redistribuir a riqueza por aqueles que mais a merecem.
Há demasiada riqueza que é distribuída por mecanismos que nada têm que ver com os do mercado e que se escapam às medidas de caráter administrativo, seja no plano fiscal ou salarial. A injustiça na distribuição da riqueza não está apenas na diferença entre salários e lucros, está também no impacto que a evasão fiscal, a corrupção entre empresas e estado e entre empresas, na infinidade de esquemas que fazem a vida negra às empresas, desde a burocracia a uma justiça gandula e parasita.
Se a esquerda combater a fraude, promover a eficiência económica pondo o Estado ao serviço da sociedade e acabando com uma infinidade de esquemas corporativos, eliminar a chaga da evasão fiscal, gerará mais riqueza para distribuir e conseguirá mais aumentos salariais do que aqueles que poderão ser conseguidos reduzindo os lucros das empresas. Não só cria mais riqueza como torna a economia mais forte e competitiva.
A melhor forma de fugir a um segundo resgate não está em regatear o pouco que se cria mas sim em estabelecer um pacto social em torno da riqueza que pode ser criada tornando a economia mais forte. Para que a dívida tenha uma solução a médio prazo a produtividade tem de aumentar significativamente e isso não é viável nem com os velhos dogmas da direita, nem com os da esquerda.