A política serve cada vez menos para os cidadãos discutirem as soluções do país, para se transformar em rituais parlamentares onde em vez de se discutirem as melhores soluções, procura-se ser o mais eficaz a rasteirar o adversário. Não admira que o centro do parlamento se tenha deslocado do hemiciclo para as salas acanhadas das comissões parlamentares. EM vez de oradores os deputados estão-se transformando em interrogadores, não sendo de admirar se um dia destes, os cursos de interrogatório ministrados aos polícias passem a fazer parte do currículo de um deputado com ambições.
O bom deputado já não é o que apresenta a melhor proposta ou o que defende melhor a solução defendida pelo seu partido, mas sim o que consegue rasteirar quem está a ser interrogado numa comissão parlamentar ou numa comissão parlamentar de inquérito. Não me admiraria se um dia destes o país assistisse a um deputado a mergulhar num balde de água a cabeça de um qualquer cidadão chamado a prestar esclarecimentos ao parlamento.
Fora do parlamento a política é feita para aparecer na televisão, os jantares de lombo assado são cronometrados para que o momento alto seja a intervenção na hora do telejornal. Se em vez de um jantar de mulheres do partido apreciadoras de lombo assado ou bacalhau como crosta de milho, se tratar de uma visita a uma feira de uma qualquer variedade de queijos, a encenação é feita para que quase casualmente uma horda e jornalistas apanhem a individualidade, devidamente enquadrada por umas quantas pessoas que na tentativa de dar um ar de grande admiração pelo que o líder diz, acabam por fazer caras de parvos, vulgo figuras de urso.
A política está ficando reduzida a encenações e espetáculos que fazem lembrar jogos do Canelas, perde o conteúdo em favor da crispação ou das “defesas” para a fotografia. Compreende-se que Passos Coelho queira este espetáculo, depois de um ano a fazer de morto parece querer recuperar tempo, fazer em pouco tempo o que pensou não ser necessário ao longo de um ano, em que se limitou a esperar que a geringonça gripasse.
Começa a ser tempo de discutir os problemas que não são poucos e encontrar as soluções que nem sempre são difíceis. Há centenas de pequenas reformas por fazer, empresas para apoiar, burocracias oportunistas para eliminar, serviços públicos para modernizar ou reestruturar, tachinhas para acabar, atrasos para reduzir, há muito para fazer, há muita política para além das comissões de inquérito e dos jantares de lombo assado.