Um dos lados mais execráveis da política económica adoptada por Passos Coelho estava na forma doentia como esse primeiro-ministro ia adoptando uma agenda económica que não tinha sido apresentada aos eleitores. Passos Coelho não arranjou argumentos de natureza económica para justificar as suas medidas de austeridade extremas, optou por uma estratégia que visava quebrar a auto-estima dos portugueses.
Há grandes semelhanças entre a forma como o governo de Passos Coelho tratou os portugueses e o que se passa com as mulheres que são vítimas de violência doméstica. Nestas situações o abusador tenta quebrar a auto-estima da vítima incutindo-lhe um sentimento de culpa, que a condiciona na resposta. Muitas vítimas de violência doméstica sentem.-se culpadas, chegam a pensar que são vítimas de violência por culpa própria, acabam por se sujeitar e na maior parte dos casos são incapazes de quebrar esse círculo vicioso.
O argumento usado por Passos Coelho e alguns dos seus ideólogos foi o de que a austeridade foi consequência do excesso de consumo. Os portugueses tinham culpa e deviam espiar os seus pecados, eram culpados por gastar o que não tinham, por ter férias em excesso, por gozarem mais feriados do que os alemães. Durante meses fomos comparados com os alemães, de um lado os gandulos que gostam de consumir o que é dos outros, do outro um povo exemplar, trabalhador, poupadinho e amigo do patrão, era o próprio primeiro-ministro e os seus ideólogos que justificavam a suas medidas como castigo merecido.
Não se tratava de uma política económica, era um castigo, uma auto-flagelação merecida por pecadores, os pobres e a classe média abusaram do crédito para consumirem acima do que podiam, tinham de expiar so seus pecados, a legislatura foi uma imensa semana santa, com um pecador convencido da culpa a assumir os seus pecados. O ministro das Finanças era o bispo, Passos Coelho o confessor que determinava o castigo que voltaria a abrir as portas do céu a um povo pecador.
Aos poucos o país vai saindo do pesadelo que lhe foi imposto, da manipulação psicológica que lhe foi imposta, o cidadão comum deixou de sentir um peso na consciência por gozar férias ou por usar o cartão de crédito. Acabaram-se as intervenções idiotas de Gaspar, os discursos irritantes do agora rico Paulo Portas ou as baboseiras económicas da iletrada Maria Luís. Aos poucos o país retoma a normalidade.