Durante muitos anos só em raras ocasiões os relatórios da execução orçamental elaborados pela Direcção-Geral do Orçamento foram notícia, isso passou a suceder quase mensalmente com o anterior governo que os transformou em instrumentos de propaganda governamental e daí até à manipulação vai um pequeno passo. Paulo Núncio transformou-se numa espécie de ministro da propaganda e o seu momento mais alto foi o orgasmo governamental ocorrido em plana campanha eleitoral com a promessa de reembolso de mais de 35% da sobretaxa paga em 2015. Cavaco confirmou a mentira e a ministra ainda sugeria que o resultado poderia ser ainda melhor pois os últimos meses do ano são bons em receita fiscal.
Note-se que a síntese execução orçamental é tornada pública no dia 20 de cada mês e refere-se aos resultados do mês anterior. Nesta altura do mês já deram entrada na tesouraria da AT o grosso da receita fiscal do mês corrente pelo que quando o governo estava a festejar o reembolso de 35% da sobretaxa de IRS já tinha os dados que iriam constar na síntese seguinte, isto é, antes das eleições o governo já tinha todos os dados relativos a Agosto e sabia que o reembolso desceria para 9%. Isto é, fica claro que Maria Luís Albuquerque, Passos Coelho e Paulo Núncio enganaram os portugueses de forma premeditada e intencional.
Era suposto que a síntese de execução orçamental serve tornar mais transparente a avaliação do desempenho dos governos ao nível orçamental. Só algumas variáveis, tanto da despesa como da receita, que podem ser alvo de manipulação política e foi isso que sucedeu, Paulo Núncio preparou a mentira ao longo de meses aumentando progressivamente a retenção dos reembolsos de IVA, de forma a não se farem sentir de repente. Agora o novo governo tem um problema em mãos, se continua a reter os reembolsos prejudica as empresas, se processar esses reembolsos agrava o défice de 2014.
Também só muito recentemente e precisamente por causa da desconfiança em relação aos dados da síntese da execução orçamental os relatórios mensais da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) do parlamento, criada em 2006, começaram a ser notícia. Aliás, a primeira desconfiança em relação ao reembolso da sobretaxa surgiu nos seus relatórios, que apontavam precisamente para um exagero na retenção dos reembolsos de IVA.
Coloca-se, portanto, uma pergunta que parece óbvia, como é que a UTAO reparou no “buraco” e o cidadão comum não se apercebeu disso na leitura da síntese de execução orçamental. Porque essa síntese ilude os analistas pois esconde dados que são acessíveis à UTAO, designadamente, os reembolsos de IVA e de outros impostos que quando são processados funcionam como uma receita negativa.
Isto significa eu as sínteses da execução orçamental são inúteis e, pior ainda, prestam-se a manobras fraudulentas de propaganda política, como se viu com a famosa sobretaxa, uma fraude política que até parece ter tido a bênção do gabinete de Cavaco Silva, a crer nas declarações do próprio. Com este golpe ficou claro que estes instrumentos de informação são na verdade instrumentos de manipulação.
Estamos perante uma situação grave, os portugueses que são submetidos a medidas brutais ficam impedidos de conhecer os resultados dos seus sacrifícios e ainda por cima os dados são usados para os iludir no momento da avaliação do desempenho dos governo. Quando Passos fala em fraude ou se refere ao primeiro-ministro devia ter vergonha na cara, ele comportou-se pior do que o Maduro e só lhe faltou fazer campanha equipado como atleta do Real Sport Club, de Massamá. É uma vergonha que pense que ganhou o direito a governar porque conseguiu uma minoria de deputados com uma aparência de vitória graças a votos conseguidos com uma patranha fraudulenta.
O governo de António Costa tem a obrigação de tornar as contas públicas mais transparentes, permitindo aos cidadãos que avaliem o seu desempenho sem que existam dúvidas que nas condições actuais fazem todo o sentido.