É grande a tentação de fazer política salarial recorrendo ao IRS e essa tentação está presente de forma implícita no discurso de alguns políticos da esquerda conservadora. Esta abordagem não é nova, do outro lado, na esquerda mais conservadora, fez-se precisamente isso na experiência da desvalorização fiscal, recorreu-se ao IRS para proletarizar a classe média.
É um jogo perigoso transformar o sistema fiscal num instrumento de política salarial, ignorando a sua dimensão nacional, enquanto instrumento de arrecadação de receitas para financiar o Estado e, em particular, os mecanismos do Estado social. Neste sentido não faz sentido desresponsabilizar uma parte dos portugueses com o argumento de que ganham pouco. A verdade é que muitos dos que pagam impostos e não beneficiam de ajudas do Estado acabam por dispor de um rendimento líquido inferior aos que foram dispensados de dar qualquer contributo.
Mesmo que fizesse sentido fazer política salarial através do IRS isso só seria aceitável se não existisse a fuga a esse imposto. Todos nos lembramos de quando o Manuel Damásio declarava o ordenado mínimo e, tanto quanto se sabe, o fisco nada terá conseguido contra ele. Também toda a gente sabe que em setores como o da construção civil uma parte dos salários são pagos “por fora”, e nalgumas profissões reina a economia do biscate, isso sucede desde as empregadas domésticas às cabeleireiras. Isto significa que os “Damásios deixam de pagar impostos” e que muitos “falsos pobres” são dispensados de cumprir obrigações segundo uma lógica social de “coitadinhos”.
Passos Coelho tentou destruir a classe média, não tendo hesitado em sugerir aos mais jovens a porta da emigração. A ideia de que os rendimentos foram devolvidos é falsa, não só há ainda muita gente a suportar a sobretaxa do IRS, como uma parte importante do aumento do IRS foi feita com recurso a truques, como a mexida nos benefícios fiscais e nos escalões. Este recurso a truques para aumentar a receita fiscal sem assumir o aumento de taxas sucedeu em vários impostos.
Passos tirou à classe média para dar aos ricos, agora a esquerda parece querer tirar à classe média pra dar aos pobres. Por este andar dentro de poucos anos não haverá classe média nem para dar aos ricos, nem para dar aos pobres, os que não foram proletarizados à força por estas políticas sociais desastrosas, serão forçados a emigrar. Ficarão cá os mais ricos e os mais pobres, resta saber a que bolo os governos recorrerão para estas políticas de chicos espertos.