segunda-feira, setembro 04, 2017

Jerónimo de Sousa, um homem fora do seu tempo



Com a liderança do movimento comunista a ser disputado pelo BE, que vai consolidando uma posição eleitoral que remete o PCP para um segundo plano, Jerónimo de Sousa foi à Festa do Avante fazer um discurso de afirmação da pureza ideológica. Entre outros temas abordou a greve da Autoeuropa como se aquela empresa fosse a Cooperativa Estrela Vermelha dos tempos da Reforma Agrária e o armamento da Coreia do Norte como se estivéssemos em plena crise dos mísseis em Cuba. Se na questão coreana Jerónimo regressou aos tempos da Guerra Fria, já na questão da Autoeuropa o discurso de Jerónimo recuou aos primeiros anos do século XX. Jerónimo revelou-se um homem fora do seu tempo.

Enquanto, do outro lado do mundo, o líder do PC Chinês dirigia críticas implícitas à Coreia do Norte, apesar de ser a China ser o único parceiro deste país, deste lado, Jerónimo de Sousa culpou o imperialismo de todos os males, isto é, disse mais ou menos o mesmo que a liderança da Coreia do norte para justificar o investimento que o regime faz. Foi um discurso muito semelhante ao que se ouvia nos tempos da URSS, quando aquele país investia todos os recursos em armamento nuclear, enquanto o PCP colocava á entrada dos seus concelhos enormes cartazes descansando os que viajavam, porque estavam a entrar num “concelho livre de armas nucleares”. Sentia-se um enorme alívio quando se deixava um concelho dominado pelo imperialismo e se entrava num território libertado, onde imperava a paz e a concórdia.

O PCP deveria esclarecer de uma vez se o modelo de sociedade que defende é um país onde todo um povo não tem acesso a qualquer informação, onde os familiares do líder são fuzilados com tiros de antiaérea e onde o partido comunista é pouco mais do que uma seita de apoio a uma monarquia absolutista de doentes mentais, que não hesita em impor a fome a todo um país só para se manter no poder. Porque as armas nucleares apenas servem para enquistar um regime anacrónico. Bernardino Soares já defendeu a Coreia do Norte em público e mais do que uma vez recebi e-mails onde alguns defendem aquele país em privado. É bom que os eleitores do PCP saibam que se um dia o PCP governar que tipo de sociedade vão ter.

Na questão da Autoeuropa começa a ser evidente que o PCP dá o tudo por tudo para transformar aquela empresa num bastião, á semelhança da reforma agrária do passado. Mais uma vez se usa o espantalho do imperialismo para justificar tudo. Mas onde estava o espantalho do imperialismo quando os trabalhadores da Autoeuriopa tinham aumentos e garantias de emprego quando todos os outros tinham cortes e despedimentos? É óbvio que os tais perigosos imperialistas nunca aceitarão que a empresa seja condicionada pelo controleiro que o PCP designar para a empresa, como se estas fosse uma das empresas dos tempos da URSS.  Quando o PCP mandar na Autoeuropa esta vai fechar, nessa altura o PCP e o BE terão de explicar ao país os pormenores da guerra suja que estão travando.

O discurso de Jerónimo de Sousa nada tem que ver com um tempo em que muitos trabalhadores fazem turnos, trabalhando a qualquer hora e em qualquer dia. Também nada tem que ver com empresas que negoceiam e oferecem contrapartidas. Quem ouviu Jerónimo falar sentiu-se transportados para os tempos em que os trabalhadores enfrentavam balas dos exércitos para reivindicarem um dia de descanso semanal. Mais uma vez Jerónimo de Sousa falou fora do seu tempo.

Não seria mau se em vez de fazer discursos inflamados para gente com boinas cheias de pins da URSS, falasse com o cidadão comum ou com o seu eleitor não militante sobre o que pensam da greve na Autoeuropa ou da maravilha que é essa sociedade comunista da Coreia do Norte. O discurso de Jerónimo de Sousa só serviu para ajudar os que têm ódio ao seu partido, porque em grande medida deu razão a muitos dos seus argumentos.