quarta-feira, janeiro 24, 2018

A MAGISSTRATURA DA INTERFERÊNCIA

Passados dois anos desde que foi eleito já conhecemos tão bem o Marcelo Presidente como conhecíamos o Marcelo comentador, o Marcelo professor, o Marcelo convidado para jantar, o Marcelo dos almoços com Portas ou o Marcelo jornalista. Sabemos como geriu a liderança do PSD, como ganhou muitos likes, como lançou o roteiro dos funerais e das missas do sétimo dia.

Ao fim de dois anos Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se numa espécie de Presidente Facebook, ainda que enquanto na rede social os gostos são convertidos em likes, com Marcelo os likes têm a forma de beijinhos, abracinhos e selfies. Em dois anos Marcelo já apareceu mais a falar na televisão do que Cavaco Silva durante dois mandatos presidenciais, já fez mais presidências abertas do Mário Soares e foi mais vezes a Tancos do que Ramalho Eanes. Ao fim de dois mandatos presidenciais só alguns portugueses da diáspora não terão ficado com uma selfie ou levado com um cachucho presidencial.

Marcelo afirma-se pelo carisma e dá grande importância aos “afetos” ao ponto de parecer que considera que os muitos “likes” do povo lhe dão uma legitimidade ainda maior do que o voto e por isso tem poderes acrescidos. Marcelo não fala em nome das suas competências, fala em nome do povo e por isso pode-se meter em tudo, incluindo aquilo em que não é chamado. Se o voto lhe deu o poder da magistratura da influência, os likes parece darem-lhe poderes adicionais, que lhe permitem exercer uma magistratura de interferência, em muitos momentos considera que é presidente do governo.

No plano institucional, quer nas relações com o governo, quer nas relações com o parlamento Marcelo teve um importante papel na normalização do país, ajudou a enterrar o ambiente de stress permanente em que o país estava com o extremismo económico de Passos Coelho. Ao tirar a esperança a Passos Coelho de ajudar a interromper a legislatura com eleições antecipadas, Marcelo ajudou o país a entrar numa fase de recuperação, progresso e tranquilidade que há muito não se via. Graças a Marcelo o país superou uma situação que levaria a um segundo resgate e a mais um ciclo de brutalidade na política económica e, muito provavelmente, a mais um governo da extrema-direita chique de Passos Coelho.

A estabilidade política não se deve a Marcelo mas sim a uma maioria parlamentar que resulta de acordos que estão sendo cumpridos, alguém lhe chamou Geringonça, mas a verdade é que ainda não lhe saltaram peças como sucedeu com a demissão do assustado Vítor Gaspar, a substituição do inimitável sôr Álvaro, nem sequer esteve à beira de gripar, como sucedeu ao governo de Passos com a demissão irrevogável do agora gestor de influências em países de elevados níveis de corrupção.

Mas não foi bonito ver um professor de direito constitucional sugerir que o primeiro-ministro enviasse um diploma para o TC para uma semana depois dizer que sabia que não tinha nada de inconstitucional. Foi dispensável a “ajuda” que deu para livrar o PSD de Passos Coelho ou o almoço com Santana Lopes a meio da corrida para a liderança do seu partido. Ultrapassou todos os limites das suas competências ao pedir a demissão de uma ministra ou a exigir que o governo decidisse numa semana um programa para as florestas e para os combates aos incêndios. Não demonstrou grande competência ao definir a um ritmo quase semanal novas prioridades para o governo, ignorando a separação de poderes, desrespeitando as competências do governo e comportando-se como se o governo fosse uma secretária pessoal.