sábado, janeiro 20, 2018

EM QUEM CONFIA O MP?

Fará sentido Portugal assinar um acordo internacional num qualquer domínio para depois uma entidade nacional chamar a si o papel de avaliador e concluir que não aplica esse acordo porque a outra parte, segundo a sua avaliação, não é credível, não tem competência ou não merece confiança? Será aceitável pela outra parte continuar a cooperar com essa instituição, quando tem tão má opinião das suas instituições nacionais? Faz sentido a existência de uma comunidade internacional em que participam os governos quando uma entidade de um desses países, sobre a qual os governos não têm poder, decide chamar a si a decisão sobre quais os acordos que aplica e os parceiros dessa comunidade que lhe merecem confiança?

A resposta é um triplo não, a posição do MP apenas poderá ter uma consequência prática, a perda de credibilidade do Estado português junto de Angola e a implosão da CPLP pois nos tempos que correm dificilmente o MP poder´considerar de confiança a justiça de qualquer um dos membros desta comunidade. Não confiar na justiça angolana não é bem a mesma coisa que pedir a prisão preventiva de um qualquer pilha-galinhas, por receio dele fugir, é uma decisão de grandes consequências diplomáticas que nem mesmo o governo pode decidir em ouvir o Presidente e explicar ao Parlamento.

Imaginemos que a justiça espanhola decidia investigar Marcelo rebelo de Sousa e quando o governo português pedisse que ao abrigo de uma convenção de que ambos os Estados fossem partes, que o processo seguisse os seus trâmites em Portugal, a Fiscalia Fiscal de España, a PGR lá do sítio, se recusasse a aceder a esse pedido, argumentando que a justiça portuguesa não lhe merece confiança. Razões não lhe faltaria, as violações graves e reiteradas do segredo de justiça, a corrupção de um importante magistrado, a incapacidade de chegar a condenações nalguns dos mais importantes processos. Como é que reagiriam os portugueses e as suas instituições?

Ao considerar que a justiça de um país não merece confiança, o MP está a afirmar que todo esse país não merece confiança. isso significa que os políticos e as instituições não são de confiança, que os investidores estrangeiros não podem confiar nos tribunais e serão sujeitos a todas as arbitrariedades. Esta classificação põe em causa as relações entre estados e seria interessante saber quais foram os procedimentos internos adoptados para que a Procuradora-Geral se permitisse tomar uma posição tão drástica e de consequências tão graves. Seria também conhecer quais os procedimentos internos para levar a essa decisão, bastou uma mera informação de um procurador que mereceu despacho favorável da Procuradora-Geral.

A Procuradoria-Geral elaborou tal "licença" com que base? É um resultado de visitas a Angola no quadro da tal excelente cooperação de que alguém falou, baseia-se nalguma auditoria à justiça angolana, resulta de relatórios de organizações internacionais, é uma percepção resultante da leitura dos jornais? Considerar que um país não é de confiança não pode ser uma decisão tomada de ano leve, com base em argumentos levianos. É algo muito sério, que deve ser ponderado, que deve ser devidamente fundamentado.

A política externa não é competência da Procuradora-Geral, é mesmo uma das poucas competência, a par da chefia das forças armadas, em que governo e Presidência partilham responsabilidades. Condenar um país não é uma decisão que um Presidente e um primeiro-ministro tomarem de ânimo leve, se o fizerem pondo em risco serão chamados a explicar as razões de tão grave decisão, que pode fazer perigar as relações entre dois grandes aliados.

O que se exige da procuradora-geral, que parece ser uma Presidente da República na sombra, é o que se faz em relação a qualquer órgão de soberania eleito, o que não é o caso do MP. A Procuradora-Geral deve vir a público explicar a decisão que tomou em relação a Angola, assumindo as responsabilidades, explicando os fundamentos e dando a conhecer os procedimentos internos que podem levar a tão grave decisão.