terça-feira, janeiro 23, 2018

ESPALHAFATO E TRANSPARÊNCIA

Apesar do apoio generalizado por parte dos arautos mais populistas da nossa comunicação social, o veto presidencial ao financiamento dos partidos ainda vai dar que falar, não pela matéria em causa, mas pelos argumentos utilizados, que não deixarão de vir a ser questionados noutras circunstâncias.

Desde logo a brilhante ideia que o Presidente teve de sugerir que ou o Parlamento ou o primeiro-ministro tomassem a iniciativa de enviar o diploma para o Tribunal Constitucional. Uma semana depois o Presidente assume que não via inconstitucionalidades no diploma, isto é, o seu envio serviria apenas para queimar tempo, para que uma mudança na liderança do PSD colocasse á frente desse partido um dos candidatos a líder, que se tinham manifestado contra o projeto. Convenhamos que usar um tribunal e, em particular, o Tribunal Constitucional apenas para ganhar tempo não abona muito em favor de quem teve tão brilhante ideia.

Mas o que vai fazer escola durante o percurso presidencial foi a defesa do Presidente de que matéria tão importante e sensível deveria ter sido discutida em público e objeto de debate público. Isto é, as matérias sensíveis e que dizem respeito a todos devem, segundo o Presidente da República, serem discutidas em público e alvo de debate público. O Presidente da República não define quais as matérias cujo debate deve ser sigiloso, calculamos que questões que se prenda com as forças militares e de segurança, com os serviços de informação ou de natureza diplomática devem merecer algum recato.

Mas quando o Presidente da República sugere consensos entre partidos, algo que os jornalistas traduzem de imediato como acordos entre os dois partidos que formam uma maioria de dois terços no Parlamento, o mal afamado Bloco Central, está defendendo que esses acordos devem resultar de debates públicos, por exemplo, em reuniões das comissões parlamentares realizadas com a porta aberta e transmissões televisivas, ou prefere negociações à Cavaco Silva, sigilosas, realizadas em datas e locai secretos e contando com um representante do Presidente para lhe dar conta da evolução dos negócios?

Se há matérias em que os interesses privados mais se esforçam por condicionar os partidos são aquelas em que estão em causa os consensos de que o Presidente fala. Alguém duvida de quando um partido defende a privatização de um determinado serviço público pode estar a ir de encontro a interesses privados que lhe solicitaram esse favor? Ou que quando defende uma autoestrada em vez de outra pode estar a ir de encontro a interesses regionais?

Se tivermos em consideração os argumentos do Presidente da República em relação à importância do espalhafato na questão do financiamento dos partidos, em futuros processos negociais em que estejam em causa o interesse dos cidadãos será inaceitável que as negociações sejam feitas nas costas dos cidadãos. Veremos o que defenderá o Presidente da República nas negociações dos consensos que tanto defende.

PS: Quantos jornalistas acompanharam as negociações do tão elogiado pacto na justiça? Porque razão algo tão importante para cada cidadão foi elaborado às escondidas pelos interesses corporativos do sector?