A direita mais conservadora e a extrema-direita das
discotecas e sacristias divide-se entre os que elogiam a pobreza considerando-a
um dom de Deus e os que as consideram a consequência do falhanço de gente de
menores capacidades ou maus hábitos. Unem-se na forma de a combater, os mais
devotos sentem-se mais próximos de Deus estando próximos dos pobres e por isso
praticam a caridade, os mais liberais consideram que qualquer solidariedade é
um estímulo à sobrevivência e reprodução dos mais fracos e um prémio à preguiça
e à ignorância. Os primeiros usam os pobres como meio oportunista de à sua
custa comprarem um lugar no céu, os outros compram um lugar na terra porque
quantos mais pobres mais barata será a mão-de-obra, mais fácil será obter os
lucros de que vivem ou esperam vir a viver.
Quando a dona Jonet disse umas alarvidades muitos
consideraram umas baboseiras de uma betinha, as críticas dividiram-se entre o
gozo e o desprezo. MAS a senhora gostou do protagonismo e depois de recuperada
a sua imagem à custa de uma mega operação de gestão de relações públicas
conduzida pela Igreja Católica voltou à carga e defendeu a caridade por oposição
à solidariedade. Curiosamente quando a dona Jonet deu consistência ideológica às
aparentes baboseiras iniciais quase ninguém se indignou. Ninguém reparou que a
dona Jonet parece querer assumir-se como a lamparina ideológica de um governo
de gente que desde os tempos dos jotas nos liceus gosta de ser democrata em público
e de defender as virtudes do fascismo em privado. Veneram Sá Carneiro em público
e em privado são devotos de Oliveira Salazar.
Ao defender a caridade a dona Jonet defende três coisas. Põe
os pobres a render a seu favor e à custa da solidariedade pública sente-se mais
próxima do Criador, quando ajudamos o Banco Alimentar contra a Fome também
estamos a fazer uma colecta nacional para financiar a casinha da dona Jonet
nesse condomínio de bem-estar eterno que é o Céu. Promove valores ideológicos
que o próprio Salazar rejeitou e que estavam congelados no fundo de uma mina
desde finais do século XIX, é uma tentativa da velha igreja de se aproveitar de
uma crise financeira para regressar a um modelo social onde a pobreza estimula
o poder do clero e o temor a Deus. Assume-se como orientadora ideológica de um
governo de estarolas que não abem muito bem para onde vão, porque vão ou como vão.
Alguém tem de lhes dar coerência e consistência ideológica sob pena de vierem a
ser considerados amanuenses da troika.
DO outro lado da barricada está a extrema-esquerda que se opõe
à caridade, qu desconfia da solidariedade e que defende que o Alka-Seltzer de
todos os males sociais é a revolução, processo em que se promove a purificação
da sociedade eliminando ou reeducando os que se oponham à revolução. Uns
defendem a conversão eclesiástica e a condenação ao Inferno dos mais
renitentes, os outros colocam Deus à porta do Céu do Socialismo e o diabo
armado de AK 47 junto à parede da execução.
São as duas faces de uma mesma moeda, o conflito social e a
revolução e esse é o problema de gente como a dona Jonet e mais esses
facistazinhos de discoteca, estão defendendo valores dos finais do século XIX
ou das primeiras décadas do século seguinte, mas ignoram tudo o que o mundo
viveu entretanto. Pensam que com meia dúzia de polícias dados a verem filmes às
escondidas na RTP conseguem reprimir os mais de dois milhões de pobres que
temos se estes se revoltarem com o atraso ou insuficiência da caridade da dona
Jonet, ainda não perceberam que os pobres são cada vez mais e, pior do que
isso, começam a ter nas suas fileiras cada vez mais gente que era da classe média,
gente com menos paciência, mais conhecimentos técnicos e mais capazes de dar
coerência ideológica aos sentimentos de desespero. Estes palermas não percebem
muito bem que estão conduzindo o país para a beira do abismo.