sábado, dezembro 15, 2012

A caridade, a solidariedade e a revolução


A direita mais conservadora e a extrema-direita das discotecas e sacristias divide-se entre os que elogiam a pobreza considerando-a um dom de Deus e os que as consideram a consequência do falhanço de gente de menores capacidades ou maus hábitos. Unem-se na forma de a combater, os mais devotos sentem-se mais próximos de Deus estando próximos dos pobres e por isso praticam a caridade, os mais liberais consideram que qualquer solidariedade é um estímulo à sobrevivência e reprodução dos mais fracos e um prémio à preguiça e à ignorância. Os primeiros usam os pobres como meio oportunista de à sua custa comprarem um lugar no céu, os outros compram um lugar na terra porque quantos mais pobres mais barata será a mão-de-obra, mais fácil será obter os lucros de que vivem ou esperam vir a viver.
 
Quando a dona Jonet disse umas alarvidades muitos consideraram umas baboseiras de uma betinha, as críticas dividiram-se entre o gozo e o desprezo. MAS a senhora gostou do protagonismo e depois de recuperada a sua imagem à custa de uma mega operação de gestão de relações públicas conduzida pela Igreja Católica voltou à carga e defendeu a caridade por oposição à solidariedade. Curiosamente quando a dona Jonet deu consistência ideológica às aparentes baboseiras iniciais quase ninguém se indignou. Ninguém reparou que a dona Jonet parece querer assumir-se como a lamparina ideológica de um governo de gente que desde os tempos dos jotas nos liceus gosta de ser democrata em público e de defender as virtudes do fascismo em privado. Veneram Sá Carneiro em público e em privado são devotos de Oliveira Salazar.
 
Ao defender a caridade a dona Jonet defende três coisas. Põe os pobres a render a seu favor e à custa da solidariedade pública sente-se mais próxima do Criador, quando ajudamos o Banco Alimentar contra a Fome também estamos a fazer uma colecta nacional para financiar a casinha da dona Jonet nesse condomínio de bem-estar eterno que é o Céu. Promove valores ideológicos que o próprio Salazar rejeitou e que estavam congelados no fundo de uma mina desde finais do século XIX, é uma tentativa da velha igreja de se aproveitar de uma crise financeira para regressar a um modelo social onde a pobreza estimula o poder do clero e o temor a Deus. Assume-se como orientadora ideológica de um governo de estarolas que não abem muito bem para onde vão, porque vão ou como vão. Alguém tem de lhes dar coerência e consistência ideológica sob pena de vierem a ser considerados amanuenses da troika.
 
DO outro lado da barricada está a extrema-esquerda que se opõe à caridade, qu desconfia da solidariedade e que defende que o Alka-Seltzer de todos os males sociais é a revolução, processo em que se promove a purificação da sociedade eliminando ou reeducando os que se oponham à revolução. Uns defendem a conversão eclesiástica e a condenação ao Inferno dos mais renitentes, os outros colocam Deus à porta do Céu do Socialismo e o diabo armado de AK 47 junto à parede da execução.
 
São as duas faces de uma mesma moeda, o conflito social e a revolução e esse é o problema de gente como a dona Jonet e mais esses facistazinhos de discoteca, estão defendendo valores dos finais do século XIX ou das primeiras décadas do século seguinte, mas ignoram tudo o que o mundo viveu entretanto. Pensam que com meia dúzia de polícias dados a verem filmes às escondidas na RTP conseguem reprimir os mais de dois milhões de pobres que temos se estes se revoltarem com o atraso ou insuficiência da caridade da dona Jonet, ainda não perceberam que os pobres são cada vez mais e, pior do que isso, começam a ter nas suas fileiras cada vez mais gente que era da classe média, gente com menos paciência, mais conhecimentos técnicos e mais capazes de dar coerência ideológica aos sentimentos de desespero. Estes palermas não percebem muito bem que estão conduzindo o país para a beira do abismo.