O Pedro tem dois natais, um oficial sem a Laura, passado no silêncio do seu gabinete austero, decorado com um presépio da Vista Alegre onde há vaca e burro, o que não deverá ser entendido como uma homenagem a este modesto Jumento. Nesse Natal o Pedro explica que é uma bênção divina estarmos de barriga vazia e tolhidos pela fome, estamos melhor de saúde, mais elegantes e como para o ano vão haver rabanadas com fartura toda essa fome ajuda a empaturra-nos.
No outro Natal o Pedro e a Laura imaginaram o que será a casa dos pobres, o marido está bêbado e bate na mulher, o avô falta porque foi metido à força num lar da Santa Casa e os putos ranhoso anda à bofetada disputado a única rabanada que está na mesa. Na impossibilidade de se armar em padre franciscano e ir passar o Natal junto dos pobrezinhos, Passos Coelho optou por mandar uma mensagem aos miseráveis para lhes dar a entender que sabe quão difícil é a sua existência.
O primeiro-ministro, mais troikista do que a troika, que se está lixando para os votos dos portugueses que sofrem com as suas decisões, que acha que governa um povo de piegas decidiu sofrer uma mutação, agora é um miserável entre os miseráveis, aqueles que no ano passado ficaram à míngua por terem abusado do pecado do consumo, são agora filhos de Deus e merecedores do céu, só ainda não têm lugar porque este brilhante governo ainda tem muito por conseguir, a seu tempo o Gaspar fará a sua previsão de quem quando pode entrar no paraíso terrestre cheio de oportunidades e de rabanadas.
Portugal não tem um primeiro-ministro eleitoralista, o homem governa com rigor e até se está lixando para eleições. Tem um primeiro-ministro louco, um primeiro-ministro que em vez de ver os melhores abandonarem Portugal, imagina uma imensa fila de gente a regressar ao país, a escolher as oportunidades como se estivesse a fazer compras no Pingo Doce no 1.º de Maio dos 50%, um país rico e cheio de oportunidades.
Tem um primeiro ministro louco porque é um bipolar em estado muito avançado, um bipolar que numa comunicação fala de riqueza e de um mar de oportunidades, e depois arma-se em pobre da Madre Teresa de Calcutá, imagina pobres dividindo o pap-seco que substituiu o bolo-rei. É um primeiro-ministro louco porque não percebe que o pior que pode fazer a um pobre de verdade é armar-se em falso pobre, é uma ofensa para os mais de dois milhões de pobres portugueses ser tratado como miserável por alguém que vive na abundância, que nunca fez nada na vida, que recebeu mais em prendas de Natal do que muitos portugueses ganham em muitos anos, ver um primeiro-ministro que defende que os pobres devem ser ainda mais pobres vir agora chorar pela pobreza que ele próprio ajudou a promover.
Só um primeiro-ministro louco actua desta forma, porque um primeiro-ministro que produz mensagens com este nível de bipolaridade é irresponsável e está acendendo o rastilho da conflituosidade social. Só um primeiro-ministro louco parece interessado em conduzir o país para um conflito interno de proporções muito superiores à que os chefes das polícias promovidos pelo seu governo alguma vez conseguirão conter.
Este primeiro-ministro é louco e tem uma visão idílica da pobreza, acha que ser pobre é comer só uma rabanada. Não ó Pedro, não ó Laura, ser pobre é ter o filho doente e não ter dinheiro para os medicamentos, é amanhã a criança ir para a escola com um buraco na sola dos ténis, é ter de pagar a renda e não se ter recebido o ordenado, é a EDP ir cortar a energia e não haver dinheiro para pagar a conta, é estar-se desempregado e não se ter dinheiro para o bilhete de autocarro necessário para ir procurar emprego. Ser primeiro-ministro, não se perceber nada disto, decidir-se uma política brutal e depois escrever mensagens destas é pegar fogo a um país.