É um homem transparente porque, como o próprio o diz, não tem segredos, todos podemos vê-lo através das janelas trabalhando já noite dentro, ele que não gosta de exposição mediática num sinal de imensa modéstia é filmado a trabalhar noite dentro, comendo batatas fritas ao mesmo tempo que telefona, e olhando pelo canto do olho para a rua e certamente a pensar que devia ter fechado as cortinas para não ser filmado.
Faz votos de pobreza, não tem fortuna, só tem créditos devidamente garantidos por hipotecas, pelo que não vive em casas de amigos e, como o próprio o diz, também não tem contas bancárias em nomes de amigos. Dá o peito às balas e aceita o seu destino, um destino certamente decidido por Deus que tantas vezes surge no seu discurso e está presente nas imagens, com um juiz arqueado entrando sozinho na igreja da sua aldeia.
É um homem que está do lado dos menos poderosos, na pirâmide do poder não passa de um vértice, certamente um dos vértices da base, uma pequena pedra, junto ao cão e ao pó onde há-de voltar, a pedra mais pequena e mais rasa da grande pirâmide de um poder que nos esmaga. Não estava predestinado como o filho dos mais poderosos, o que se pode dizer do actual Presidente que foi preparado desde criança para exercer o poder, antes pelo contrário, é fruto das circunstâncias, não tem poder, como ele próprio o diz, qual poder? Não passa, com o sucede com quase todos os portugueses, do fruto das circunstâncias, enfim, uma modesta obra de Deus.
Corajoso, ainda não sabe o que é o fio na barriga, pode andar ligeiramente curvado com o peso da responsabilidade, olhar ligeiramente de lado por causa da tensão nos tendões do pescoço e evitar olhar de frente, olhos nos olhos, mas mesmo reconhecendo que às vezes se pode enganar, não tem medo nem dos erros, porque são consequências da falta de informação, nem das suas consequências. Há o episódio da pistola que o prova.
O juiz que não quer ser mediático e que não gosta de se expor é o que dá mais entrevistas, gerindo cuidadosamente a sua presença nas televisões. Não quer ser filmado mas parece saber sempre onde está a câmara, gere cuidadosamente as poses, as frases feitas, até escolhe a sua própria alcunha, define-se a si próprio como “saloio de Mação”, alcunha que até ontem não aparecia com qualquer registo quando procurada no Google. Agora que não prendeu nenhum político nos últimos tempos decide dar uma entrevista, o homem que foge da comunicação social aparece nela com uma estranha regularidade.
Temos mais um modelo de virtudes na linha do nosso ruralismo, é um traço característicos do que se afirmam nos valores da pureza nacional, são sempre pobres, estudantes que começaram do nada, gente que bebeu as virtudes da mãe ou do avô que sempre viveu no campo, que não se prostituiu nos valores citadinos. Ainda há poucos anos venderam-nos a imagem da avó Prazeres de um tal Vítor Gaspar, mulher da Serra da Estrela, mas o noto acabou por fugir e arranjou um tacho em Nova Iorque. Agora temos mais um modelo de virtudes e não tardará muito para se ouvirem vozes a indicá-lo um grande futuro na Presidência.