Não há uma via fiscal para o socialismo, era bom que houvesse mas não há, e no dia em que a política fiscal estiver condicionada a uma luta de classes, podem fechar as portas da Autoridade Tributária e Aduaneira. Isto não quer dizer que não se possa promover a equidade fiscal através da criação de impostos ou da manipulação das suas taxas, como diria o SEAF uma das funções da fiscalidade é a redistribuição do rendimento, mas isso não significa que para o fisco há bons e há maus. Se o caminho for esse não tarda muito a que um poobre que seja chamado a um serviço de finanças desate a gritar que o chefe do serviço é um perigoso contra.-revolucionário e que se vai queixar dele à Mariana Mortágua.
Não se cobram impostos aos mais ricos para aumentar as pensões mais baixas, se a lógica da política fiscal for essa passamos a aumentar os impostos sobre uns para dar a outros, como se os sistema fiscal fosse uma espécie de Robin dos Bosques. Dizer que se cria um imposto para aumentar as pensões dos mais pobres pode ser música para os ouvidos dos que recebem essas pensões, mas além de ser uma abordagem que viola o princípio da não consignação das receitas é uma imbecilidade.
Isto é uma desvalorização fiscal ao contrário, Vítor Gaspar desvalorizou por via fiscal nos trabalhadores para dar aos patrões, agora desvaloriza-se os ricos para revalorizar os pobres. O ministro de Passos Coelho tentou aumentar a TSU dos trabalhadores para a entregar aos patrões, como não o conseguiu promoveu a desvalorização fiscal do trabalho aumentando o IRS com a sobretaxa para entregar a receita adicional aos patrões sob a forma de reduções no IRC. Agora Catarina Martins quer que se desvalorize a riqueza dos mais ricos para entregar a receita a uns quantos mais pobres, aqueles que por não terem feito descontos têm direito a uma reforma mínima. Nada mais simples.
O problema do discurso do BE é que considera que os ricos são uns malandros e como tal devem ser tratados pela máquina fiscal, enquanto os pobres são as novas virgens do fisco. Daqui para a frente o combate à evasão fiscal é um instrumento da luta de classes, que deve estar ao serviço dos mais pobres, porque os ricos não pagam impostos, a acção do fisco deve obedecer aos desafios da Mariana Mortágua. Segundo esta lógica vamos ter um fisco chavista onde os dirigentes devem esquecer os pobres que não paguem os seus impostos, para se concentrarem nos ricos, porque segundo esta lógica a evasão fiscal por parte dos pobres gera justiça social e equidade, quanto maior for a evasão fiscal por parte dos pobres mais o fisco terá de ir buscar aos ricos.
Acontece que os pobres também são campeões na fuga ao fisco e muitos trabalhadores pobres andam de braço dado com os patrões na fuga ao fisco. Em Portugal há muitos milhares de trabalhadores nos mais variados sectores e, em particular, na construção e na hotelaria que para ganharem mais dividem com os patrões os benefícios do trabalho "pago por fora". Uma boa parte dos trabalhadores destes sectores recebe uma parte do ordenado e as horas extraordinárias "fora da folha" e muitos deles nem sequer são declarados, falseando as estatísticas do desemprego e, não raras vezes, recebendo o subsidio de desemprego.
O cumprimento das obrigações fiscais é um dever de cidadania e quando considerarmos que o incumprimento deve ser avaliado de forma diferente em função do estatuto social estamos destruindo todos os princípios da fiscalidade e recuando muitos anos no tempo.