segunda-feira, novembro 14, 2016

Gratidão para com a Geringonça



Era tão óbvio que se ia desconjuntar a qualquer momento que alguém lhe chamou geringonça, numa das últimas intervenções políticas Paulo portas divulgou a alcunha.  Que não ia durar, que o acordo não era sólido, que era uma coligação negativa, que tinha usurpado o governo, que não havia acordo para um segundo orçamento. Mas de solavanco em solavanco a Geringonça vai andando e promete continuar a andar por mais três e bons anos.

Ainda bem que a Geringonça existe, que o compromisso não é entre duas doses de austeridade. Ainda bem que o bloco central foi enterrado, por que nisto da político é como o velho anúncio do restaurador Olex, o que é normal é um partido de esquerda governar à esquerda e um partido de direita governar á direita, o que é natural é que a esquerda se alie à esquerda e que a direita se alie á direita. Foram muitos anos em que ou era a direita a governar, ou era a esquerda que para se sentir reconhecida governava como a direita e até nomeava muitos governantes de direita.

Se este governo fosse apoiado num acordo ao centro os direitos constitucionais dos funcionários públicos e pensionistas teriam de aguardar uns anos, os seus ordenados e pensões seriam usados em subsídios aos patrões, em nome do tal crescimento. .

Seria muito interessante voltar a ler ou a ouvir o que se disse na ocasião. Lembro-me de muita gente da direita dizer que António Costa estava traindo o seu eleitorado, Francisco Assis ensaiou uma revolta do PS contra o seu líder, armou-se em representante do eleitorado do PS e tocou a rebate, organizando um jantar na Mealhada. Alguém da sua equipa, que não deu a cara, disse mesmo que “metade do eleitorado socialista está assustado com a deriva que o partido está a seguir e isto que nós estamos a fazer comparado com o que os apoiantes do actual secretário-geral fizeram à anterior direcção não é nada”. Que “O partido corre o risco da 'pasokização' e 'syrização'. Há aqui uma deriva à esquerda e isso é muito perigoso”!

O que terá Assis a dizer, agora que o tal jantar de leitão assado já deve ter sido consumido nalgum Holmes Place? Nesses dias difíceis, em que estava em causa continuar ou não com uma política brutal o próprio Assis dizia que “É muito importante demonstrar ao próprio país que há, de facto, no PS quem defenda uma solução distinta daquela que aparentemente está a prevalecer e que para mim é um erro histórico”. Onde está esse PS que ele representava?

A Geringonça teve o mérito de demonstrar que era possível governar respeitando direitos, sem orçamentos suplementares, sem a chantagem permanente, sem se ser subserviente com funcionários meia tigela de organizações internacionais, respeitando os direitos e a pensar em todos os portugueses. A Geringonça demonstrou que a esquerda não é uma ala da direita que governa um poucochinho mais à esquerda, para tranquilidade dessa direita.

Em várias legislatura o país conheceu governos de direita a governar à direita, sem qualquer diálogo com a esquerda. Aconteceu isso com o governo de Sá Carneiro, com dois governos de Cavaco Silva, com o governo de Durão Barroso e, como o governo extremista de Passos Coelho. Os governos do PS foram sempre governos mais abrangentes, parecia haver sempre a preocupação de nomear ministros capazes de captar a simpatia da direita e com políticas que podiam ser de governos de direita. Talvez por isso a direita esteja a estranhar e tenha tantas dificuldades em entranhar a Geringonça.