A matriz cristã da nossa esquerda, se não mesmo do marxismo, leva a que a questão do salário mínimo seja abordada como um tabu quase religioso, como se a esquerda só fizesse sentido colocando acima de tudo a preocupação com os mais desfavorecidos. Pouco importa a realidade social do país falseada pela economia paralela ou mesmo que muitos dos “pobrezinhos” que movem os bons sentimentos da esquerda votem na direita, a preocupação com os “mais desfavorecidos” está acima de tudo.
No caso dos comunistas a questão é ainda mais profunda, da mesma forma que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que o rico entrar no Reino dos Céus, para os marxismo-leninismo a classe operária é um símbolo de virgindade, só ela tem os valores livres da conspurcação do dinheiro e é capaz de ter a pureza ideológica para nos conduzir ao paraíso na terra. O problema é que muitos os operários já não são assim tão pobres e por aquilo que se vê por esse mundo fora já não são tão puros quanto isso, na França votam Le Pen, no Reino Unido decidiram o Brexit e nos EUA elegeram o Trump. Por cá já votaram Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barros, Paulo Portas, Passos Coelho e Santana Lopes, mas ninguém reparou nisso.
O salário mínimo é uma mentira estatística, a maioria do que os declaram ganham “por fora”, numa solidariedade que esquerda quer ignorar, centenas de milhares de trabalhadores mal pagos solidarizam-se com os patrões e declaram apenas o ordenado mínimo, recebendo parte da remuneração “fora da folha”. O salário mínimo é, em grande medida, o rendimento do proletariado da economia paralela, é o plâncton de uma cadeia alimentar que mantém a economia paralela.
Sectores inteiros, como a restauração ou construção civil alimentam as estatísticas do salário mínimo, mas na verdade há muito que não pratica esses salários. Em muitas empresas familiares até os patrões e familiares que nela trabalham declaram o salário mínimo. A não ser nalguns grupos profissionais menos qualificados ou nalgumas indústrias muito específicas, são cada vez menos a profissões em que os trabalhadores são remunerados com o salário mínimo.
Há qualquer coisa de errado quando um país que precisa de crescer a ritmos maiores, onde uma das maiores preocupações é impedir a fuga dos quadros qualificados a grande, senão mesma a única preocupação de governantes e parceiros sociais é o salário mínimo. Quando deveriam estar discutindo a forma de serem criadas empresas que recorressem a trabalhadores qualificados e com condições de competitividade que viabilizem salários idênticos aos dos concorrentes europeus, discutimos o salário mínimo.
Compreende-se que essas empresas não sejam a praia nem da CGTP, nem do Saraiva e muito menos do representante da associação do turismo e restaurantes. O problema é que enquanto considerarmos ricos os que ganham 2000 euros e o único debate sério é em torno do salário mínimo dificilmente o país sairá da cepa torta, não é com a economia paralela que alimenta as estatísticas do salário mínimo, com empresas que para serem competitivas têm que ter escravos que o país ficará mais rico.