Se há algum capítulo em que Passos Coelho se tenha
conseguido destacar ao longo destes dois anos da mais absoluta incompetência
governamental foi na capacidade de gozar com os portugueses, ao mesmo tempo que
se entretém a atirar uns contra os outros. É um governo sem escrúpulos, que não
se importa de ir buscar inspiração a Auschwitz e designar o despedimento em
massa de funcionários públicos por “requalificação profissional”.
Mas perante a óbvia intenção de Gaspar de levar a sua
reformatação do Estado até ao fim os funcionários públicos opõem-se? É óbvio
que não, o Gaspar teve a esperteza saloia de dizer que era só um determinado grupo
profissional a ser alvo do chuveiro de Auschwitz e os restantes ficaram todos
contentes.
Veja-se o caso dos professores, é certo que o Mário Nogueira
vai assegurar que no ensino a adesão foi de 90%, mas a verdade é que com os
exames adiados e sem programação de reuniões de professores as escolas estarão às
moscas, para que um professor adira à greve terá de ir de propósito à escola e
declará-lo, se não o fizer não teve qualquer falta.
O mesmo governo que andou a defender que a legislação era
para todos os funcionários públicos cedeu em toda a linha para calar os
professores, só faltou mesmo dar-lhes um aumento extraordinário. A verdade é
que calou os professores e os professores que não vão para a mobilidade serão
substituídos por outros funcionários públicos. Ao Gaspar é indiferente que os
despedidos sejam enfermeiros ou professores, o que importa é que se atinjam as
metas, que depois o Portas explica tudo com o seu guião.
O extremismo ideológico de Passos Coelho teve o condão de
testar os portugueses e o resultado é miserável, vergonhoso. Os trabalhadores
do sector privado não protestam, desde que sejam os pensionistas ou os funcionários
públicos a suportar a austeridade. Mas se for adoptada alguma medida que os
atinja, como sucedeu com a TSU, é o ai Jesus, o movimento anti-troika consegue
logo mobilizar grandes manifestações.
A última grande ideia deste governo foi a de sugerir aos portugueses, entendidos estes apenas como os que trabalham no sector privado, que apenas poderão beneficiar de uma redução de impostos se a reforma do Estado for bem sucedida, isto é, se apoiarem o despedimento de funcionários públicos. O Vítor Gaspar deve estar mesmo a pensar na hipótese de recorrer a tatuagens para distinguir os portugueses cumpridores dos não cumpridores, defendeu que tal redução deveria ser apenas para os primeiros. Alguém protestou, alguém se indignou? Não, o cinismo da situação reside no facto de ninguém concordar mas a maioria apoiar.
Graças a Passos Coelho conhecemo-nos melhor enquanto
portugueses, talvez consigamos perceber como foi possível a ditadura sobreviver
durante 48 anos. O país vive uma mistura perigosa de oportunismo e cobardia, os portugueses, medrosos, protestam apenas quando as medidas lhes são dirigidas, não há sentido de nação, é o cada um por si e a função do governo tem sido gerir a sua agenda política com base nos valores mais baixos que vai promovendo na sociedade portuguesa.