É cada vez mais óbvio que a actual
política económica é mais o resultado de sentimentos mesquinhos com ideologia
do que uma opção estudada e implementada a pensar no país. Alguém quer usar
Portugal para se meter em bicos de pés e entrar em Harvard pela porta do cavalo
testando um estudo de uns doutores lá do sítio, enquanto há quem queira
vingar-se da história, do país e de um povo por abandonos passados.
Mas se este excesso de austeridade
tem mais de ideologia do que de política económica, também o discurso oposto
encontra fundamento na ideologia e não em qualquer raciocínio económico. Têm
tanta razão os que acham que reintroduzindo a escravatura haverá crescimento e
progresso como os que sonham com grandes siderurgias e cinturas industriais de
Lisboa altamente produtivas. O país acaba dividido entre discursos ideológicos
e protagonizado por figuras intelectuais de menor dimensão, uns dizem com
sorriso cínico que não vale a pena meterem lá outros porque há um memorando,
outros asseguram que rasgando o memorando chovem euros.
As comparações entre um país e uma
empresa ou uma família são habituais nalguma direita para fundamentar soluções
ruralistas de que Salazar foi um teórico, ainda que o antigo professor tivesse
mais inteligência num cabelo do que o actuais governantes têm na sua farta
cabeleiras. Mas mesmo assim vale a pena imaginar que Portugal é uma empresa.
A crer em Passos Coelho para que
essa empresa dê lucros precisa de trabalhadores quase a passar fome, de um
contabilista austero ainda que incapaz de prever a quantas andam as contas da
empresa dois meses depois. O investimento deve ser eliminado, a eficiência
interna é coisa que não justifica perdas de tempo com discussões, a questão das
soluções energéticas não se coloca, tudo se resolve com salários baixos e se o
custo da energia aumentar a solução é evidente, aumenta-se meio dia de trabalho
por semana para os trabalhadores, sem qualquer aumento de vencimento ao mesmo
tempo que se reduz o salário, com base nesse aumento do horário é possível
despedir trabalhadores.
A crer nalguma propostas alternativas
a solução é fácil, aumenta-se a produção mesmo sem se saber a quem se vai
vender, suspende-se o pagamento das últimas encomendas de matérias-primas, bem
como da factura da electricidade. Depois é só aumentar a produção e encher os
armazéns e com base no valor do produto acabado e tendo em conta os preços
previstos pode-se proceder ao aumento de salários e até à contratação de mais trabalhadores.
Enfim, se no passado alguns partidos
venderam sonhos radiosos a troco de votos agora querem injectar doses cavalares
de ideologia. Das mentiras eleitorais o país evoluiu para as mentiras
ideológicas. Até agora é este o único ajustamento que ocorreu em Portugal.