Deve ser muito
frustrante ter-se construído a imagem de competência e acabar por ser tratado
como um incompetente, passar a imagem do político venerado pela honestidade e
acabar parecendo estar rodeado por quarenta ladrões, passar a imagem do
modernizador do país e perceber-se agora que o dinheiro foi esbanjado e o país
ficou na mesma, pensar-se que ia ser um grande presidente em comparação com
Soares e acabar com o estatuto do prior presidente da história da democracia.
Cavaco
candidatou-se a Presidente convencido de que tinha um lugar na história de
Portugal, só faltava limar algumas arestas. A imagem do político que apostava
no betão e desprezava os cidadãos, nódoas como a recusa de atribuição de uma
pensão a Salgueiro Maia ao mesmo tempo que a atribuía a um inspector da PIDE de
muito má memória, o investimento em estradas por oposição ao desenvolvimento
económico e social.
Cavaco contava
com dois anos num cargo sem grandes problemas para rever a história do seu
desempenho como primeiro-ministro, inventou os roteiros que mais não são do que
uma espécie de rota do camião do lixo, os roteiros mais não servem para mostrar
um Cavaco que não existiu enquanto foi primeiro-ministro.
O Cavaco que
com as privatizações criou uma classe de ricos preocupa-se agora com os pobres,
o Cavaco que desprezava o Alentejo anda anda e ainda o vamos ver a treinar o
cante alentejano com os mineiros de Aljustrel, o Cavaco que deu a pensão ao
Pide apressou-se a montar uma homenagem a Salgueiro Maia, o Cavaco que tudo
apostou no sector dos serviços não se cansa agora de falar dos produtos
transaccionáveis e da agricultura como se fosse um fisiocrata dos tempos
modernos.
Mas tudo
correu mal a Cavaco e a actual situação política é prova disso, a história
revelou-se tão cínica quanto Cavaco e como prenda pelo derrube de José Sócrates
deu-lhe um governo do seu partido, mas com o seu velho inimigo Passos Coelho
como primeiro-ministro e numa coligação que está nas mãos de Paulo Portas, o
amaldiçoado director do semanário Independente. Deus foi justo, tratou o cão
com o pêlo do próprio cão, queres um governo dos teus e para isso até os teus
amigos conspiram contra a democracia? Então leva este governo e faz dele o teu
governo para ver se gostas! Este destino quase me levou a deixar de ser agnóstico,
se há Deus esta foi claramente uma manifestação da mão Dele!
Se Cavaco
pensava rever a história e usar o poder presidencial para ser ele a escolher o
seu lugar enganou-se. A história não gosta de ser manipulada por aprendizes de
feiticeiro. O Cavaco competente deu lugar ao incompetente, o Cavaco que se
queria vingar de Soares teve de se vingar em alguém que o enterrou e que todos
os domingos reaparece como se fosse a alma penada do cavaquismo na versão
presidencial, o Cavaco honesto deu lugar ao político português com mais amigos
duvidosos.
Cavaco achou
que podia tosquiar a história e acabou por ser tosquiado pelos acontecimentos,
só mesmo os beneficiários do cavaquismo ainda estão ao seu lado e muitos deles
porque agora pareceria mal cuspirem na sopa onde comeram. O cavaquismo acaba
por morrer e ter um enterro organizado nem mais, nem pelos do que pelo próprio
Cavaco Silva. A Presidência da República de Cavaco Silva é isso mesmo, em vez da revisão manhosa da história é o
enterro do cavaquismo devidamente encenado pelo seu principal protagonista.
Para acabar em beleza só mesmo com um final encenado por Filipe la Feria.